A revisão constitucional, infelizmente, não ocorreu antes do plano de estabilização, o FHC 2. Dentro da sequência desejável para uma permanente estabilização monetária, as reformas estruturais deveriam servir como fatores predisponentes para um amplo ajuste fiscal. Dificilmente a revisão da carta cumprirá este papel. Na realidade, a única preparação para o plano de estabilização foi a tentativa de sinalizar um ajuste fiscal para a sociedade. Além das receitas adicionais, subtraídas de Estados e municípios, o governo central lança mão de pesado aumento na arrecadação tributária. Somam-se aos efeitos da MP 386 (que reduziu o prazo de recolhimento de impostos federais) a cobrança de dois impostos declarados constitucionais pela Justiça: o Cofins — cerca de US$ 5 bilhões — e o IPMF — cerca de US$ 6 bilhões. Há, ainda, as novas regras e alíquotas do imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas, do IOF, do ITR, das taxas e de outros adicionais sobre o sistema financeiro, que produzirão outros US$ 3,5 bilhões de extração de recursos do setor privado.
QUANDO O ESTADO CRESCE
Tudo somado, o governo federal deverá arrecadar este ano cerca de 35% a mais do que em 1993, que, por sua vez, já aumentou cerca de 30% em relação a 1992. Ou seja, em dois anos, o governo central extrairá do setor privado 70% a mais, saindo de US$ 38 bilhões em 1992, para US$ 65 bilhões em 1994. O governo agora acena, ainda que com pouca convicção, com a possibilidade de cobrança de novos impostos sobre o patrimônio das pessoas jurídicas e sobre as grandes fortunas ou "sinais exteriores de riqueza".
Por outro lado, o plano FHC 2 prevê redução de US$ 5 bilhões nos aumentos do funcionalismo público, de US$ 2 bilhões em transferências e subvenções e de US$ 5 bilhões em outros custeios e investimentos. Portanto, durante 1993 e 1994 o setor público federal deverá aumentar seu tamanho de maneira significativa. O lastro é o aumento da taxa de extração tributária que incidirá sobre o setor privado e produtivo da economia.
Esse tipo de ajuste fiscal contraria frontalmente os desejos da sociedade brasileira. O Estado cresce, em vez de encolher. Os custos de produção aumentam, em vez de caírem. As sangrias representadas pelo déficit e pelos privilégios das estatais continuam. As vantagens e o corporativismo do funcionalismo público, principalmente no legislativo e no judiciário, não encontram barreiras na ânsia de vantagens. A carga tributária crescente aprofunda a carência de investimentos, em vez de incentivá-los. A estagnação econômica se aprofundará, em vez de ser revertida.
Mais dramática ainda é a incapacidade do governo de ver que adentra um campo pantanoso e movediço quando acredita que a elevação de alíquotas e a criação de novos tributos são medidas eficazes para concretizar o ajuste desejado. Essas medidas induzem à evasão, à sonegação e à economia informal. Não é sábio o governante que exige dos contribuintes aquilo que eles não podem suportar. O estrito cumprimento da legislação tributária implicaria uma carga tributária equivalente à da Suécia, de cerca de 60% do PIB.
O apelo ao terrorismo fiscalizatório que este governo inaugura, dentro de uma legislação imprudente, acarretará insolvência e desemprego. E, como a longo prazo, esta é uma conduta insustentável, e portanto episódica — já tivemos outros xerifes e outras derramas frustradas —, o resultado será o descrédito ainda mais profundo das instituições e dos governantes.
REFORMAS NO LUGAR DE DERRAMAS
Hoje, o clima é de terror. Culpados e inocentes sentem-se acuados temendo serem vítimas de atos arbitrários dos agentes fiscais de plantão. Usa-se de intimidações como indução ao recolhimento de impostos. Ameaças de devassas surgem a todo momento. Quotas de prisões de empresários são insistentemente anunciadas na Imprensa. A meta sádica do agente fiscal-mór em manter a sociedade sob constante pressão fiscal é insustentável e danosa. Mais do que derramas, o Brasil precisa de reformas estruturais profundas, que promovam a eficiência do Estado e aliviem a carga tributária sobre os ombros dos contribuintes.