IVES GANDRA
Li, com atenção, o artigo de Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque com sugestiva proposta para adoção de um imposto único. Sua propositura implicaria a redução do capítulo do sistema tributário a um único artigo e aquele da partição da carga fiscal a outro, na lei suprema.
Entreguei, na semana passada à Saraiva , o primeiro tomo do volume dos Comentários à Constituição, que estou escrevendo com Celso Bastos . É dedicado aos 12 artigos , que compõem o Sistema Brasileiro ( 145 a 156) , e meus originais foram versados em 1 . 152 páginas datilografadas. E são comentários singelos .
Compreendo , pois , a angustia de Marcos Cintra ao ver a irracionalidade do sistema nacional , que possui 6 impostos sobre a renda e patrimônio e 9 impostos sobre transações, além das i numeras contribuições especiais , taxas , empréstimos compulsórios e algumas contribuições de melhoria adotadas por uns poucos municípios .
O brasileiro, ao adquirir um automóvel , paga 4 automóveis para ficar com um, pois 3 deles correspondem ao preço dos impostos incidentes diretamente (IP I , ICMS) e indiretamente (IR, IP TU, 1 . 1 . , IOF, ISS e demais espécies) , posto que para a empresa ter lucro necessita repassar todos os tributos que paga, como empresa, para o preço final .
O usuário, por outro lado , sobre ter que recolher o IP VA, sempre que adquirir combustível , pagará ICMS e IV V, além do selo-pedágio e do próprio pedágio, quando viajar, posto que tem este mais característica de taxa que de preço público.
O exemplo demonstra a irracionalidade do sistema. Na Europa, há um único imposto sobre circulação (IVA) . No Brasil há o IPI , o ICMS, o I VV, o ISS, sobre as operações mercantis e de prestação de serviços .
É que o Brasil é uma Federação deformada, com 5. 000 "países" independentes e soberanos (União, Estados e Municípios) , que se dizem apenas autônomos, mas não abrem mão de seus direitos, prerrogativas , além das estruturas políticas e burocráticas, que se alimentam, a rigor, das complicações que criam, não apenas na área tributária, mas em todas aquelas que dependem dos "carimbos oficiais" para que os cidadãos continuem a trabalhar com ânus maior do que o fariam, sem tais avais.
Em outras palavras, o nosso sistema é irracional , porque a nossa Federação é irracional e ela é irracional porque serve muito mais aos políticos e burocratas , que dela vivem, que à nacionalidade e à sociedade. Estados existem sem densidade econômica, mas que duplicam ou triplicam sua organização para sustentar a classe dominante . Deveriam ter continuado como Territórios, sem Casas Legislativas , Judiciais Executivas próprias, com o que terminariam não empobrecendo a nação , pelos recursos que dela tiram. O mesmo se diga dos Municípios.
O ilógico sistema tributário , portanto, é fruto de uma ilógica Federação, visto que seus integrantes não dispensam as receitas diretas que se outorgaram como direito -nenhuma Federação do mundo, permite competência impositiva em nível constitucional aos Municípios, com o que a duplicação ou triplicação de tributos sobre o mesmo fato gerador torna-se corolário imposto ao povo brasileiro.
E é em face deste "manicômio tributário", no dizer de Alfredo Augusto Becker, que a proposta de Marcos Cintra é original . Quebra, de uma vez, com um sistema que constitui a suprema realização da burocracia e dos políticos , sobre desmanchar a máquina estatal de forma absoluta.
Na sua proposta, todavia, deveria haver ressalva para as transferências de recursos das contas e para as contas dos próprios titulares, de tal forma que apenas as operações, em que houvesse transferência de titularidade do dinheiro, haveria a tributação.
Não tenho posição definitiva sobre a proposta, apesar de reconhecer seu indiscutível mérito. Quero sobre ela meditar e, principalmente, sobre os impactos nas operações bancárias. O máximo que propus até hoje, em livros e artigos, foi um sistema simples com um imposto sobre a renda, um sobre o patrimônio, um sobre transações e um sobre comércio exterior, com partição da receita entre os entes federativos . No meu sistema reduziria seu número de 15 impostos para 4 . No de Marcos , ele reduziu de 15 para I . É, pois , a dele muito mais ousada que a minha.
Qualquer que seja o resultado do debate que a proposta provocará, um elemento já me parece extremamente positivo. É que realça Marcos Cintra a perversa estrutura do sistema nacional, tornando-se mais um aliado na luta por sua mudança.