Segundo os idealizadores do Plano Cruzado, o programa não foi deflagrado no começo do ano em função dos efeitos do "choque agrícola" ocorrido no segundo semestre de 1985. A forte seca nas principais regiões agrícolas do Brasil teria causado o desalinhamento de preços relativos, o que em parte impossibilitou o congelamento, sem dúvida, o componente mais importante do pacote de estabilização.
Provavelmente, o impacto do choque agrícola ainda estava presente na estrutura de preços em 28 de fevereiro último. Evidência neste sentido é encontrada nos problemas de abastecimento que caracterizaram alguns setores; também a edição de novas tabelas da Sunab é uma tentativa de fazer as devidas correções nos preços que se encontravam distorcidos.
Embora o setor agrícola tenha sido o responsável pelo adiamento do Plano Cruzado - e também por parte significativa dos preços que ainda se encontram desalinhados - o governo insiste em ignorar o impacto que a agricultura pode ter no sucesso da estratégia anti-inflacionária e toma medidas de política econômica que, sem dúvida, deverão criar sérios empecilhos à normalização da produção agropecuária.
A política de importações de alimentos deixou de ser um mecanismo de regularização do abastecimento para se transformar em constante foco de chantagens contra o produtor interno. As importações de arroz, por exemplo, deprimiram os preços abaixo dos níveis de garantia, e, em várias regiões, os armazéns disponíveis são utilizados para estocagem de produtos importados, deixando desatendida a produção local.
A medida mais negativa, contudo, foi a decisão de parcelar o pagamento das AGF's (Aquisições do Governo Federal) para os médios e grandes produtores, comprometendo seriamente a confiança que os agricultores depositaram nos programas governamentais de estabilização de preços agrícolas. O sucesso do plano de estabilização econômica depende da eficácia do congelamento de preços e da manutenção, ainda que artificial, dos níveis de inflação próximos a zero. Vale lembrar, contudo, que mais cedo ou mais tarde os preços terão de ser liberados, e que quanto maior a demora em fazê-lo, maiores serão as dificuldades a serem enfrentadas.
Neste sentido, qualquer medida que possa comprometer ou reduzir as intenções de plantio dos agricultores deverá ser evitada a fim de que o descongelamento ocorra numa conjuntura de abundância, e não de escassez. Caso contrário, as distorções se acumularão pelo excessivo adiamento na liberação de preços, e o Plano Cruzado terá sido um mero interlúdio na crônica inflação brasileira.
Marcos C. Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard e Chefe do Departamento de Economia da Fundação Getulio Vargas em São Paulo.