Imagine um país que esteja enfrentando a seguinte situação:
Deterioração das contas públicas de 3,62% do PIB em um curto espaço de tempo. De um superávit primário consolidado em relação ao PIB, que em média foi de 3,03% entre 2002 e 2012, caiu para 1,77% em 2013 e se transformou em um déficit primário de 0,59% em 2014. Ainda em 2015, a grave crise fiscal poderá resultar em um déficit anual nominal de 8,8% do PIB, déficit primário próximo de 2% e dívida pública bruta de 66% do PIB.
Alta e crescente carga tributária que, em 25 anos, avançou de 24% para 34% do PIB, tornando-se um fator significativo limitando o potencial de investimento e crescimento econômico. Em 2015, o PIB deve encolher mais de 3%, sendo o pior ano desde 1990, quando o PIB recuou 4,3%.
Um governo fraco e uma população dependente de transferências e outros benefícios governamentais, tornando politicamente impossível o corte de gastos públicos, pois os grupos sociais afetados mobilizam-se rapidamente para defender seus interesses, tornando um ajuste fiscal baseado em gestão racional de gastos inviável.
Contribuíram para a deterioração das contas públicas os expressivos subsídios concedidos a grandes empresas, a má gestão orçamentária e o forte crescimento das transferências para a seguridade social, todos muito além da capacidade da economia em financiá-los.
Uma gestão político-econômica incapaz de propor medidas de grande impacto e imediatas para concretizar o necessário ajuste fiscal. Em vez disso, o governo propõe um plano de ajuste com uma série de pequenos cortes de gastos e aumentos de impostos, criando coalizões poderosas de grupos contrários, gerando uma quase unanimidade política contra o governo.
É claro que estamos falando do Brasil. Neste contexto altamente dramático, torna-se urgente um forte ajuste nas contas públicas. Se nada for feito imediatamente, o colapso se tornará inevitável e iminente, com a atual recessão podendo evoluir para uma depressão econômica. Nessas condições, o ajuste fiscal será realizado da pior maneira possível, por meio de uma recidiva inflacionária, cujos primeiros sinais já estão sendo sentidos com alguma intensidade.
A realidade é que o governo tem se mostrado incapaz de viabilizar o ajuste fiscal, seja devido a dificuldades políticas inegáveis, seja devido a medidas econômicas tímidas e estrategicamente mal concebidas. A redução de gastos proposta pelo governo federal é insuficiente. Em defesa da administração, vale ressaltar que a União só pode mexer em 10% do total que arrecada, e mesmo nessa fração, há forte resistência da sociedade, como mencionado acima. Vale lembrar que 2015 já está praticamente perdido.
Para viabilizar a cobertura do déficit previsto para 2016 de R$ 30,5 bilhões e produzir um superávit primário de R$ 34,4 bilhões, como proposto pelo governo, o ajuste previsto deverá atingir R$ 64,9 bilhões, exigindo medidas extraordinárias para serem implementadas.
Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único. Atualmente, é Subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.