O setor agrícola constituiu-se, de imediato, num importante foco de apoio ao Plano de Estabilização Econômica. Com a gradual redução, tanto da disponibilidade quanto do valor dos subsídios embutidos no crédito rural, os agricultores receberam com alívio a extinção da correção monetária.
Isto é facilmente explicável. O mercado agropecuário aproxima-se mais dos paradigmas da competição perfeita do que os dos demais setores. A produção ocorre de forma atomizada, não havendo o mesmo grau de concentração que caracteriza o setor industrial, ou de alguns tipos de serviços. Desta forma o processo de indexação de preços, característico de quase todos os setores da economia brasileira, não atuava com a mesma intensidade na agricultura. Estando sujeitos aos mecanismos de funcionamento do mercado, os produtores rurais viam-se na incômoda posição de ter suas obrigações altamente indexadas - crédito, mão-de-obra, insumos industriais e equipamentos - ao passo que suas receitas poderiam sofrer fortes oscilações, tornando-se, com frequência, de uma safra para outra, decrescentes em termos reais.
A desindexação introduzida na economia brasileira, pelo Plano Cruzado, foi, portanto, importante fator de melhoria nas expectativas do setor agropecuário. Ainda não se dispõem de estimativas confiáveis acerca das intenções de plantio para a próxima safra; contudo, é lícito esperar que, pelas evidências disponíveis, a próxima safra deverá mostrar considerável elevação da produção. Constata-se com facilidade a movimentação nas áreas rurais, em preparação para o próximo ano agrícola. Os preços da terra sofreram forte elevação, principalmente nas glebas já incorporadas no processo produtivo, e a produção de tratores sofreu expansão de quase 30% neste primeiro quadrimestre do ano, em relação a 1985. Nem mesmo os planos de reforma agrária foram capazes de esfriar os ânimos dos produtores rurais, entusiasmados com as perspectivas de forte expansão do mercado interno.
Aos poucos, contudo, nota-se que começam a surgir os primeiros sinais de preocupação no tocante à política econômica do governo. O setor de pecuária leiteira foi apanhado no contrapé por ocasião do congelamento de preços; as regras de aquisição da produção pelo governo foram alteradas, passando os agricultores de médio e grande porte a receber em parcelas; o próprio congelamento de preços desestimulou a formação de estoques por parte dos intermediários, pressionando os preços para níveis iguais, ou até mesmo inferiores aos mínimos de garantia; na pecuária de corte os acordos de cavalheiros parecem nunca surtir os efeitos desejados; as massivas importações de quase todos os produtos de primeira necessidade tornam-se cada vez mais ameaçadoras, comprometendo as perspectivas otimistas para o mercado agrícola nos meses vindouros.
A condução da política agrícola requer um equilíbrio e uma consistência que o governo não está demonstrando. Há que lembrar que as peculiaridades da agricultura criam condições para um tipo de comportamento que não é encontrado nos demais setores produtivos. As formas de substituição de culturas a curto prazo, bem como a possibilidade de que a retenção do fluxo de oferta seja uma atividade produtiva, como ocorre no mercado de carne, onde os produtores mantêm os animais no pasto, ou então na pecuária leiteira, quando o leite é dado aos bezerros, fazem da agropecuária um instrutivo exemplo da precisão exigida da política econômica para o setor.
É preciso que o controle de preços seja para o produtor, um indício de estabilidade, e não, de prejuízos; que as importações se constituam numa sinalização incentivadora do aumento da produção, e não, punitiva; e que as políticas de comercialização garantam liquidez ao agricultor, e não, fontes de financiamento do déficit público.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, doutor em Economia pela Universidade de Harvard, chefe do departamento de Economia da FGV/SP e Consultor de Economia da Folha.