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Marcos Cintra

As armadilhas do plano de estabilização econômica

O Plano Cruzado começa a mostrar algumas de suas fraquezas e contradições. E, na tentativa de preservar a imagem do governo, o ministro da Fazenda, Dilson Funaro, chega mesmo a perder o bom senso ao declarar que o plano transformará o país num misto de Japão e Suíça; trata-se, aliás, de um avanço considerável sobre a caracterização que notabilizou o presidente do IBGE, Edmar Bacha, quando, alguns anos atrás, apelidou o Brasil de "Belíndia", um pouco de Bélgica com Índia.


Os resultados de pesquisas regionais sobre as tendências da inflação em abril, feitas em São Paulo, Porto Alegre e Vitória, dão conta de que a inflação residual poderá estar longe de zero. Esses registros indicam mesmo que há o risco de tornar-se necessário acionar o gatilho de reajustes salariais, o que deverá ocorrer caso a inflação acumulada atinja 20%, reintroduzindo-se assim, pelo próprio programa, o fantasma da indexação automática.


Paralelamente, a luta contra o déficit público, uma importante causa da realimentação inflacionária, perdeu muito de sua força com a própria vigência do Plano de Estabilização. O congelamento dos preços, inclusive de alguns importantes bens e serviços produzidos pelo setor público, e também a contração do setor financeiro, sobre o qual recaía grande parte dos efeitos do pacote fiscal de dezembro último, tornaram mais distantes as perspectivas de equacionamento das contas do governo. O congelamento de preços também impede a retirada de subsídios como o concedido ao trigo e ao consumo do álcool, exacerbando as pressões sobre o orçamento público.


Mas há outras fontes de preocupação, e algumas delas estão na base do Plano Cruzado. Apresentou-se o programa como sendo inovador a partir dos reajustes pelas médias. Contudo, tal estratégia, para ser coerente, exige que todos os preços, e não somente os salários e os contratos, sofram igual tratamento. Assim, as mesmas razões geralmente usadas para mostrar a dificuldade do congelamento em economias onde a magnitude da inflação ainda não é suficientemente elevada para garantir o alinhamento dos preços relativos podem ser empregadas para justificar previsões desfavoráveis no Brasil.


Enquanto alguns setores poderão obter maiores margens de lucro, outros sofrerão o fenômeno inverso. Como não há mecanismos de transferência para possibilitar aos ganhadores compensarem os perdedores, corre-se o risco de quedas no nível de atividade, ainda que localizadas em alguns setores específicos. O governo deixou aos produtores a tarefa de realinharem os preços relativos a partir dos níveis congelados ao consumidor. Embora a maioria dos setores produtivos já se tenha adequado a esta nova situação, deverão permanecer situações de impasses, de onde certamente advirão resultados negativos no emprego ou então nos preços.


Por outro lado, há que reconhecer que o Plano de Choque conseguiu superar problemas que teoricamente eram considerados importantes empecilhos à sua implementação.


Destaca-se o da desindexação da economia sem maiores prejuízos para a saúde do sistema financeiro do país. Este deverá sofrer importantes alterações, perdendo peso na composição do produto nacional e passando a ter menor rentabilidade; mas certamente não entrará em colapso, como se temia no passado.


O plano de choque não está comprometido pelas dificuldades que já começa a enfrentar. O que poderá prejudicá-lo, isto sim, é a tendência do governo de incitar a população a esperar do plano muito mais do que ele poderá oferecer. Haverá inflação residual, possivelmente mais alta do que queiramos admitir; aparecerão sérias distorções na estrutura produtiva em função do congelamento de preços; haverá necessidade de controlar o nível da demanda agregada, freando o exagerado crescimento do consumo atual; surgirão pressões inflacionárias outras que as meramente inerciais.


Uma vez admitido tudo isso, é fácil verificar que o plano de choque já enfrenta dificuldades, mas que há condições de superá-las, desde que não se acredite, ingenuamente, que ele seja infalível.



MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), chefe do Departamento de Economia da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, consultor de Economia desta Folha.

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