Desprovido do traço tecnocrático das tablitas, decretos e portarias que pretendessem prevenir, em seu conteúdo, todos os casos de conflitos entre os agentes econômicos, o plano de estabilização foi, unanimemente, elogiado. Principalmente por ter buscado, de início, o equilíbrio das finanças públicas, por meio do Fundo Social de Emergência - FSE.
A instituição da Unidade Real de Valor - URV, com vistas a quebrar a inércia inflacionária e a levar todos os setores a praticar reajustes de preços sob um indexador único, com a mesma periodicidade, de modo a tornar a inflação neutra do ponto de vista distributivo, propiciando o realinhamento dos preços relativos; sua adoção pelos agentes econômicos e a conversão dos salários pelas médias, com os percalços conhecidos, são fases superadas.
A tranquila e bem-sucedida troca da moeda em 1.º de julho deu início à terceira etapa do plano. Tudo indica ser a mais delicada. Ganha em complexidade, devido às consequências de pendências que se acumularam no seu próprio desenrolar. Portanto, há sérios obstáculos à vista.
Na transição para o real ocorreu inesperado processo inflacionário, não captado pelos índices de junho. Já resultou em resíduo expressivo em julho, primeiro mês de vida da nova moeda. Com a aproximação de setembro, data-base de importantes categorias profissionais, organizadas em sindicatos atuantes e combativos, aproxima-se o primeiro teste de resistência a movimentos em favor da reindexação de salários. De outro lado, a atual política cambial já leva os exportadores a falar em real sobrevalorizado, em perda de competitividade de seus produtos, redução de lucros e reflexos negativos na balança comercial. Fala-se, ainda, em elevação de custos, por conta das altas taxas de juros.
Em face da inexistência de orçamento aprovado para o corrente exercício, as finanças públicas estão sendo administradas meio do caixa do Tesouro. Já se sabe que este vem acusando déficits expressivos, não obstante o alardeado aumento da arrecadação, por conta do combate à sonegação e evasão de tributos. Volta-se, assim, à prática da chamada repressão fiscal, que nada mais significa do que o atraso no pagamento a fornecedores, prestadores de serviços, ao adiamento de despesas, tomado como instrumento de ajuste das contas do governo, como bem ilustram a não-liberação de verbas para a área da saúde, a celeuma em torno do reajustamento salarial dos servidores, a paralisação de obras de reconstrução e manutenção da infraestrutura. Adicione a este quadro a pressão política por gastos em ano eleitoral, bem assim a pretensão de abraçar megaprojetos em final de governo, do tipo transposição de águas do Rio São Francisco para o semiárido nordestino.
A emoldurar este cenário está a fracassada revisão constitucional, que deixou intactas reformas estruturais do sistema tributário, do Estado e da Previdência e a flexibilização dos monopólios. Resta saber até quando essa situação vai perdurar e torcer para que o plano sobreviva até que tais reformas sejam encaradas já no início do próximo governo. Somente assim se poderá dizer que o plano não passou de uma simples e inócua troca de moeda.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é vereador da cidade de São Paulo pelo PL.