Analisemos os seguintes fatos:
O setor real da economia já sente o impacto da hiperinflação. Os investimentos estão comprometidos pela crise de confiança no país; aumenta a fuga de capitais ao exterior; os salários, com indexação ex-post, já começam a sofrer desgastes com a aceleração inflacionária; e a periodicidade de pagamentos aumenta - sem falar no salário em espécie, como as cestas básicas. Os contratos precisam ser repactuados com crescente frequência. Enfim, são todos sintomas inequívocos de que o Brasil já está vivendo na hiperinflação. A bomba não estourou, mas o país já está se afogando.
Afinal, isto é, ou não, hiperinflação? Se você tem dúvidas é porque já estamos nela, ou ao menos, já sentimos seus efeitos, embora suas manifestações mais visíveis possam estar sendo mascaradas pela indexação. Há indícios de que o Brasil já esteja em uma crise hiperinflacionária. Não há mais confiança na moeda nacional. Apenas a moeda indexada (títulos públicos) ainda mantém um curso relativamente normal. Mas mesmo assim, esta moeda ainda poderá ser alvo, a qualquer momento, de uma corrida para a obtenção de liquidez, objetivando uma posterior conversão em moedas fortes ou em ativos reais.
O que falta para que a moeda indexada também perca totalmente sua aceitação? Não muito.
Nota: Na coluna da semana passada, quando tentamos demonstrar que a moratória da dívida externa poderá não ter impacto na retomada do crescimento econômico, citamos, entre outros, o exemplo do Chile, que paga sua dívida e cresce, enquanto o Brasil não paga e está estagnado. Na parte do texto em que se discutiu este ponto, foi publicada incorretamente a seguinte afirmação: "Apesar do Chile ter tido taxas de crescimento modestas no período 1980-87, houve clara reversão, para pior". O texto correto é o seguinte: "Apesar do Chile ter tido taxas de crescimento modestas no período 1980-87, houve clara reversão, mas para melhor. Nos últimos dois anos, o Brasil, que pareceu crescer mais do que os demais países em seu grupo, mostrou também clara reversão, mas para pior". Esta correção fica evidente quando cotejada com os dados da tabela publicada na coluna Monitor da semana passada.
Como exposto neste mesmo espaço alguns meses antes, a tendência no Brasil é a passagem para métodos de indexação ex-ante, ao invés da indexação tradicional que é ex-post. Em outras palavras, com baixas taxas de inflação os agentes econômicos aceitavam indexar seus ativos pela inflação passada (ex-post). Agora, começam a exigir formas mais rígidas de indexação, com base na inflação esperada (ex-ante). Quando este comportamento se generalizar, nada poderá segurar a estabilidade dos recursos atualmente aplicados no overnight. Estará caracterizada explicitamente a hiperinflação, que hoje se acha oculta sob o manto da indexação.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico da Folha.