Após um período nervoso que seguiu o colapso do Plano Cruzado, inicia-se um programa de ajustamento que deverá refletir uma das mais complicadas crises econômicas da história brasileira.
Ajustamentos macroeconômicos podem se tornar necessários tanto por causas internas (expansão excessiva de demanda, desaceleração do crescimento da capacidade produtiva, choques exógenos de oferta), como por fatores externos (deterioração nos termos de intercâmbio, elevação dos juros reais externos, corte abrupto na disponibilidade de créditos internacionais). De fato, todos estes eventos ocorreram na economia brasileira, e o resultado desta conjugação de fatores, aliada a políticas econômicas inadequadas, resultaram em distorções nos preços relativos, endividamento crescente, desaceleração de crescimento, perda dos superávits comerciais, supervalorização do cruzado, fortes pressões inflacionárias, descontrole do déficit público e elevação dos juros nominais e reais.
Para contornar o estrangulamento externo, o governo não tem alternativa senão adotar um programa que resulte na recomposição do produto entre bens comercializáveis externamente ("traded-goods") e bens não-comercializáveis ("non-traded goods"). Isto será obtido por uma política cambial realista e pela desaceleração do crescimento interno. Nesta questão, o principal cuidado será o de calibrar adequadamente o grau de desaquecimento, para evitar uma indesejada recessão.
Para combater as pressões inflacionárias, o governo optou por uma terapia que difere tanto de uma cirurgia como foi o Cruzado quanto de um tratamento sistêmico, como seria uma política convencional de restrição de demanda. Neste último caso, a política antiinflacionária causaria uma recessão que, tal como um antibiótico, combateria a doença ao atuar nos focos de infecção de maneira difusa e pulverizada.
As autoridades preferiram atacar a inflação por um método diferente; estabeleceram-se regras de reajustes de preços para todos os produtos industriais e serviços. Em realidade, a permissão para reajustes mensais automáticos de até 80% da inflação nada mais é do que um "congelamento móvel". Esta estratégia dificulta o realinhamento dos preços relativos e, neste sentido, corre-se o risco de atacar a inflação inercial sem antes efetuar um necessário reequilíbrio na relação de preços.
Além disso, existirão óbvios problemas de fiscalização. A regra estabelecida não é facilmente assimilável pela população, e a falta de sincronização dos reajustes de preços dificultará qualquer tentativa de controle rigoroso.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é doutor em Economia pela Universidade de Harvard, professor titular da FGV/SP e Consultor de Economia da Folha.