Nos últimos anos, o Brasil assimilou a necessidade de simplificar seu caótico sistema tributário. Unificar vários tributos em um tem sido uma ideia difundida no país, e as bases propostas para isso são o valor agregado e a movimentação financeira.
Os adeptos do imposto único sobre o valor agregado (IVA) dizem que o problema da unificação sobre a movimentação financeira (IMF) é a cumulatividade. No entanto, estudos revelam que esse não é o problema a ser enfrentado na construção de um novo sistema tributário para o país. As distorções nos preços relativos provocados por um IMF são bem menores que as causadas por um IVA. O foco das preocupações do administrador público deve ser a eliminação da sonegação, a redução do custo operacional e a ampliação da base tributária imponível.
Os economistas do BNDES, José Roberto Affonso e Erika Araújo, são defensores do IVA, mas afirmam no estudo "Carga Tributária. Tributação das vendas: evolução histórica (ou involução)" que os tributos cumulativos "são mais fáceis de serem cobrados e pagos...", ao passo que os sobre valor adicionado são "mais complexos de serem apurados e mesmo compreendidos".
Em sua argumentação contra os impostos cumulativos, os autores dizem que os tributos cumulativos são "os mais danosos à competitividade da produção nacional, pela dificuldade em eliminar integralmente sua incidência sobre um bem exportado e pela vantagem que oferecem as importações que, em regra geral, não se sujeitam ao mesmo tratamento no país de origem".
No tocante a essa observação, é interessante notar a reação do professor Jose Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton, ao proferir palestra em 2011 sobre competitividade comercial e harmonização tributária. Disse ele: "Competitividade é uma noção que não faz nenhum sentido para um país como um todo. Todos os países têm maior competitividade ou menor competitividade em produtos diferentes". E complementa: "A ideia de que a estrutura tributária... afeta a competitividade, a meu ver, não faz sentido".
O professor Scheinkman demonstrou em sua apresentação que os fatores que deprimem a produtividade em uma economia são a evasão e a economia informal. Se o sistema tributário induz altas taxas de sonegação e elisão, a produtividade deixa de guardar correlação com os investimentos em tecnologia e com eficiência administrativa e gerencial. Uma empresa de baixos custos de produção pode não ser "competitiva" frente a outra que sonegue os tributos, ainda que os custos de produção da empresa sonegadora sejam mais elevados. Isso estimula a sobrevivência de empresas ineficientes e deprime a produtividade econômica do país. Em outras palavras, a remoção da cumulatividade não aumentará a produtividade da economia, pois dela resultarão aumentos das alíquotas dos impostos convencionais e, portanto, maior sonegação.
O grande vilão do sistema tributário atual no Brasil não é a cumulatividade, mas sim a sonegação resultante da complexidade e das altas alíquotas implícitas nos modelos tributários declaratórios. O IVA perpetua essa situação, ao passo que o IMF, mesmo cumulativo, combate essa anomalia.
Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.
Publicado no Portal Konvênios: 21/01/2012