A recente polêmica sobre a necessidade de desaquecer a demanda encontra-se superada pelas medidas tomadas na semana passada. Houve reconhecimento de que os níveis de consumo estavam excessivamente exacerbados, e o governo sinalizou efetivamente sua preocupação com esse tema.
O governo também introduziu novos mecanismos de financiamento a longo prazo, com repactuação de juros, na esperança de incentivar a criação de um mercado financeiro capaz de sustentar a retomada dos investimentos produtivos.
Contudo, a expansão da formação de capital dependerá de importantes condicionantes, tanto no setor privado quanto no governo. No primeiro caso, trata-se de avaliar como serão compostas as taxas de lucro, uma vez que delas depende a propensão dos empresários para investir. Quanto ao governo, a retomada de seus investimentos está subordinada, fundamentalmente, à evolução do déficit público.
Muito se fala nas taxas de juros e em seus efeitos nas intenções de investimento dos empresários. Vale lembrar que no Brasil não existem mercados de longo prazo capazes de financiar o investimento do setor privado. Os recursos provêm ou de lucros retidos das empresas ou de empréstimos externos, e ambas as fontes têm pouco a ver com a taxa de juros interna, que, além disso, só é definida no curto prazo. Isso sem mencionar as linhas de crédito oficiais, como as do SFH e do BNDES, que são sempre preferidas. As instituições estatais respondem por quase 70% dos empréstimos concedidos no país, e, nesses casos, as taxas de juros de mercado não são determinantes, sendo essencialmente a demanda.
Portanto, as taxas esperadas de lucro tornam-se as verdadeiras determinantes dos investimentos privados. As expectativas em relação ao futuro farão efetivamente a diferença entre taxas de investimento anuais da ordem de 27% do PIB, obtidas durante a década de 70, e os 16% observados nos últimos anos.
É evidente que o governo está na direção correta ao tentar criar mecanismos de financiamento privado de longo prazo, como a criação de créditos com juros flutuantes, mas a consolidação desses mercados levará tempo para ser alcançada. Os enormes riscos para quem toma esses empréstimos ainda não foram esquecidos por aqueles que os tomaram nas condições anteriores.
Desta forma, cabe indagar se o empresariado já está suficientemente convencido do sucesso do Plano Cruzado ou se desconfia de que a inflação poderá ressurgir e que, a partir daí, serão necessárias medidas mais drásticas e traumáticas de contenção da demanda do que as que deveriam ser tomadas agora. Também não existe certeza de que as margens de lucro das empresas possam ser preservadas no futuro, já que, no momento, o que parece tê-las afetado positivamente são as quedas nos custos fixos unitários decorrentes da produção em plena atividade. A expansão da capacidade produtiva envolverá a necessidade de um investimento mais substancial na manutenção do crescimento da demanda, e os empresários mostram-se mais reticentes nesse jogo.
Quanto aos investimentos do setor público, a questão é ainda mais complexa. Vale lembrar que o governo responde por cerca de um terço do investimento interno bruto, concentrado em áreas estratégicas, como matérias-primas básicas e infraestrutura. Assim, direta e indiretamente, os investimentos privados dependem das inversões públicas em transportes, comunicações, energia, siderurgia e outros.
Desde o início da década, os investimentos governamentais cessaram. No entanto, os déficits públicos continuaram presentes, resistindo a todas as afirmações oficiais de que teriam sido colocados sob controle. Contrariamente àqueles que identificam a preocupação com os desequilíbrios das contas públicas com monetarismo e ortodoxia, a redução do déficit é uma condição essencial para abrir espaço para novos investimentos públicos. Na realidade, o que importa não é tanto a redução do déficit em si, mas sim a reestruturação dos gastos públicos (incluindo estatais e administrações estaduais e municipais) pela redução de custos e pelo aumento dos investimentos. Caso essa reestruturação não seja efetuada, os investimentos do governo só poderão ocorrer com o aumento das necessidades de financiamento no setor público. Isso acarretaria um inevitável deslocamento de recursos do setor privado, uma vez que a sua poupança é notoriamente insuficiente para equilibrar as exigências de formação de capital. Assim, a maior participação do Estado nos mercados financeiros só aumentaria os obstáculos para a sustentação do crescimento equilibrado da economia.
Falar em controle do déficit público, agora, não é falar em recessão, mas em maiores investimentos e em crescimento sem inflação.
O sucesso do Plano Cruzado depende hoje da retomada dos investimentos públicos e privados, e nessa tarefa, a discussão sobre o déficit público é essencial. Isso não apenas para excitar o “animal spirits” dos empresários, mas também para abrir espaço para a poupança e investimento do governo.
MARCOS C. CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 40 anos, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.