Em vários outros artigos nesta Folha e em publicações especializadas, venho defendendo uma profunda reformulação da política habitacional brasileira, notadamente do Sistema Financeiro da Habitação. O cerne da proposta é transformar o SFH em uma estrutura de atendimento exclusivo à demanda de moradias para as camadas de baixa renda.
Para tanto, preconizo, entre outras medidas, que os recursos financeiros do sistema sejam totalmente canalizados para o financiamento de habitações populares. Os depósitos nas cadernetas de poupança deveriam ser estatizados, reforçando assim as disponibilidades do FGTS para a construção de moradias de interesse social. É imprescindível também que se ofereça plena equivalência salarial aos mutuários de baixa renda, o que implica necessidade de dotação orçamentária para a cobertura de eventuais subsídios.
Quanto à classe média, as sociedades de crédito imobiliário seriam transformadas em bancos hipotecários, captando e aplicando livremente, dispondo ainda da possibilidade, que já fora prevista em lei, de colocar letras imobiliárias compulsoriamente junto aos construtores. Essas, e outras medidas complementares, tornariam possível a concretização de uma verdadeira política social para resolver a premente questão habitacional brasileira.
No momento, o governo dispõe de um projeto de reformulação do Sistema Financeiro de Habitação que praticamente liquida a política habitacional do país. Ao que parece, o projeto visa preservar o SFH como um mecanismo financeiro de atendimento à classe média. Contudo, a massa de recursos disponíveis para o financiamento habitacional, que são basicamente o FGTS e os depósitos de poupança, será dividida em duas partes. Aproximadamente um terço (os fundos do FGTS) continuarão financiando o mercado popular; os dois terços restantes (da poupança) terão o seguinte destino: atender o mercado habitacional de classe média (30%), o mercado de classe média alta (30%), depósitos compulsórios no Banco Central (25%) e o restante será livremente aplicado pelos agentes financeiros.
Nota-se, portanto, a total desfiguração dos mecanismos financeiros que teoricamente foram criados para implementar uma política habitacional popular, de interesse social. Mais uma vez, questiona-se a veracidade da orientação social que o presidente Sarney deseja imprimir a seu governo; novamente, em continuidade ao que vinha ocorrendo desde sua criação, o SFH não cumprirá seu papel.
MARCOS C. CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é Doutor pela Universidade de Harvard, chefe do departamento de Economia da Fundação Getulio Vargas em São Paulo e consultor de Economia desta Folha.