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Marcos Cintra

Estatais em bolsa não resolve

Conclui-se pelas declarações das autoridades que o governo continua empenhado em levar a cabo um amplo programa de privatização das empresas públicas. Segundo dados do Cadastro das Empresas Estatais, publicado pela Sest, haviam, em fins de 1985, 425 inclusões na relação, das quais 142 eram consideradas empresas "típicas de governo desenvolvendo atividades nas áreas de educação, saúde e fiscalização, entre outras; 236 atuando no setor produtivo, 6 ligadas à previdência social, 15 bancos e 26 concessionárias estaduais.


As empresas "típicas de governo" não são privatizáveis, uma vez que desenvolvem atividades de prestação de serviços públicos; ademais, são responsáveis por cerca de somente 10% dos dispêndios totais do conjunto Sest. O restante está fortemente concentrado em alguns poucos grupos de empresas que, em conjunto, representam mais de 80% do orçamento total do setor produtivo estatal (tabela 1); estas empresas, com exceção de algumas poucas, o governo não pretende incluir no programa de privatização.


Embora o setor produtivo estatal venha demonstrando maior eficiência - poucos anos atrás seu lucro operacional era negativo, tendo-se tornado positivo a partir de 1983 -, ainda não conseguiu superar as dificuldades impostas pelos seus elevados encargos financeiros e amortizações. Em 1984, dispenderam com o pagamento de juros quase 20% do total das suas despesas correntes, ou cerca de 50% a mais do que os gastos com pessoal; as amortizações de empréstimos equivalem ao montante das folhas de pagamento, e representam mais de 30% do total das despesas de capital. Quanto às possibilidades de formação de poupança e investimento, o quadro também não dá razões para grande otimismo.


Considerando-se somente o setor produtivo, os investimentos atingiram o valor de cerca de Cr$ 14,5 trilhões, dos quais somente 51% foram financiados com poupança própria; operações de crédito alcançaram montante praticamente idêntico ao dos investimentos, e houve aporte de recursos do Tesouro e de aplicações autorizadas pelo Conselho Monetário Nacional de Cr$ 3,35 trilhões, como pode ser observado pela tabela 2. Vale lembrar ainda que a variação positiva do disponível, de Cr$ 4,5 trilhões, foi causada em grande parte pelo valor das dívidas vencidas e não pagas, que chegaram a Cr$ 2,7 trilhões.


Nota-se, portanto, que embora inequívocos progressos tenham sido alcançados ao longo dos últimos anos, as empresas estatais do setor produtivo não se encontram em situação financeira saudável, o que dificulta, ou até mesmo impossibilita um efetivo programa de desestatização.


Desta forma, resta como alternativa a estratégia de abertura de capital dessas estatais. Contudo, como o próprio secretário da Sest declarou, isto "não significa necessariamente a privatização das empresas, pois o controle acionário poderá permanecer nas mãos do governo". Assim, a maior pulverização do capital amplia o rol de acionistas, sem contudo repercutir diretamente na forma como são geridas pelo governo.


Em realidade, o que se deseja atingir - como a desestatização é menos a venda do capital das empresas ao setor privado, como um objetivo em si mesmo, mas sobretudo a obtenção de maiores níveis de eficiência, o que a administração pública não está podendo conferir à sua gestão. Neste sentido, a mera colocação de ações das estatais em bolsa muito provavelmente não acarretará maiores benefícios no quadro econômico-financeiro das estatais brasileiras.



MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor da Fundação Getúlio Vargas SP a consultor, de Economia desta Folha.

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