O programa de dispêndios globais das empresas estatais para 1986 foi tardia-mente divulgado na semana passada, em pleno decorrer do exercício para o qual o orçamento foi elaborado. Os dispêndios das empresas controladas pela Sest atingem a cifra de Cr$ 1.254 trilhões, ou cerca de 35% do PIB. Seriam maiores, já que a partir de agora passam a incluir tão-somente 186 empresas, excluindo-se mais de uma centena de outras que, por desenvolverem atividades típicas de governo, não têm fontes de receitas próprias. Com isto, o orçamento fiscal que prevê um déficit de cerca de Cr$ 250 trilhões em 1986 já estaria incluindo os Cr$ 30 trilhões necessários para o custeio daquelas estatais, deixando de constar nas contas da Sest, mas nem por isso deixando de existir.
O ponto mais importante do orçamento da Sest, conforme enfatizado pelo governo, é o grande passo dado no sentido do reequilíbrio de suas contas, sem prejuízo dos investimentos que, em 1986, deverão atingir Cr$ 150 trilhões, uma expansão real de quase 10% em relação ao ano passado. Trata-se de volume considerável, que por si só garante uma taxa de formação bruta de capital de 4% do PIB. Contando-se com uma taxa de investimento total de 16% em 1986, percebe-se que as estatais serão responsáveis por um quarto das inversões de capital na economia brasileira. As despesas de capital dos orçamentos fiscais e monetários, que, corrigidas à taxa de inflação média de 171% prevista no orçamento da Sest, chegam a outros Cr$ 150 trilhões, perfazem mais um quarto da taxa de investimento. Assim, o setor público federal encampará 50% da formação de capital no Brasil, sem contar com a participação dos Estados e Municípios, um resultado paradoxal para um governo que tem como meta inicial um enérgico processo de privatização da economia.
Outro ponto enfatizado pelo governo refere-se à eliminação do déficit das estatais, resultado da recuperação do equilíbrio financeiro daquelas empresas. Vale lembrar, contudo, que o ajustamento obtido tornou-se possível mediante transferências de recursos da União no montante superior a Cr$ 70 trilhões, um acréscimo real de quase 35% sobre o ano de 1985. Ademais, as estatais aumentaram seu endividamento, já que suas operações de crédito suplantaram as amortizações em Cr$ 58 trilhões, não aliviando a situação de uma de suas mais problemáticas contas — a de encargos financeiros. Em realidade, em 1986, como em 1985, continuarão a absorver cerca de 15% dos dispêndios globais, proporção bastante elevada se comparada aos 4,5% de 1980.
Mantêm-se, assim, os altos custos de endividamento, que atingiram 6,2% em 1982, 9,1% em 1982, 10,1% em 1984 e 12% em 1984, deixando claro que a questão financeira do déficit público ainda se encontra longe de qualquer solução duradoura. Se por um lado as estatais mostram um decréscimo real de 22% em suas operações de crédito, por outro mais do que compensam estes resultados por aportes de recursos do Tesouro, configurando autêntica transferência de déficits das empresas públicas para a administração central. Pelo lado da disponibilidade de recursos, espera-se um crescimento real da receita operacional e de outros recursos próprios de 13,5%, contribuindo para este resultado um elevação real de 5,5% dos preços dos produtos e serviços prestados pelas estatais. Não obstante ser uma compensação pelas perdas sofridas durante 1985, haverá sem dúvida, forte impacto nos preços, a dificultar o combate à inflação durante 1986, acumulando-se às pressões inflacionárias do pacote tributário de dezembro último. Aliás, vale lembrar que no próprio orçamento da Sest o governo estima que as estatais terão um aumento real de despesas tributárias e parafiscais de 34% (o aumento de vendas deverá situar-se em 10%), o que desmente as reiteradas afirmações oficiais de que o combate à elevação de preços é prioridade de governo, e confirma que a aceleração da inflação não será decorrência exclusiva da estiagem. O governo sabia que as previsões do impacto tributário do "pacote de dezembro" estavam subestimadas. As primeiras contas indicavam um aumento na receita tributária da União em 1986 de cerca de 25%. Divulga-se agora que o impacto do pacote deverá chegar a Cr$ 110 trilhões, ou cerca de 36% da receita tributária, revisão que o governo já havia incorporado no orçamento das estatais, mas ocultado da opinião pública durante a discussão do pacote.
Em síntese, o equacionamento do déficit público está longe de ser concretizado, e o atual governo, não obstante afirmações em contrário, ainda não conseguiu atacar o cerne do problema; envereda por linhas de política econômica inconsistente, deixando de lado os pontos nevralgicos da questão — a necessidade de reorientar a ação pública pela enérgica privatização, concomitantemente com o enfrentamento da dimensão financeira da expansão da dívida pública.
MARCOS C. CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é doutor em Economia pela Universidade de Harvard, chefe do Departamento de Economia da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, e superintendente de Pesquisa e Análise da F. Barreto Corretora de Câmbio e Títulos Ltda.