O novo chefe da missão do FMI, José Fajgenbaum, quebra a tradição de seus antecessores. Faz declarações insolentes, como a que enfureceu o presidente da República; outras um pouco superficiais, ao atribuir à Constituição parte dos problemas enfrentados pela economia. E algumas polêmicas, como a de que no Brasil "o maior problema não é a inflação, mas a demanda agregada maior do que a capacidade de produção do país".
Ao afirmar que o maior problema do país não é a inflação, o economista argentino comete uma impropriedade. A inflação é, com certeza, a mais angustiante doença da economia brasileira.
Quanto à questão do excesso de demanda, suas afirmações descambam para o absurdo. Todos os indicadores apontam para uma enorme capacidade ociosa. Existem apenas focos de excesso de demanda, como é o caso do setor agrícola. As importações, contudo, reequilibram o mercado interno, como aliás se pode verificar dos dados de importação do mês passado, recentemente divulgados.
A produção industrial medida pelo IBGE registra um índice de 104,4 em abril, relativamente ao valor 100 em 1981. Cabe lembrar que a produção industrial em março do ano passado, um dos períodos de maior retração, atingiu 104,3. É certo que esteja havendo recuperação, pois em fevereiro último o índice industrial bateu em seu ponto mais baixo (82,7) - excluindo-se a paralisação da produção em abril do ano passado, logo após o bloqueio decretado pelo Plano Collor 1. Contudo, o setor industrial ainda se encontra longe de ter esgotado sua capacidade produtiva.
No comércio o quadro é semelhante. Em abril a variação nos últimos doze meses do faturamento real do comércio em São Paulo, medida pela FCESP, foi -6%. Melhor do que em janeiro, quando chegou a -14%, mas mesmo assim ainda longe de mostrar qualquer aquecimento excessivo de demanda.
Em abril o índice de utilização da capacidade instalada da Fiesp foi de 70%, um dos mais baixos da década. O salário médio real da indústria paulista foi em abril 40% mais baixo do que o de 1981, acumulando perdas em doze meses de quase 12%.
A economia continuava se recuperando. Mas falar em excesso de demanda agregada é no mínimo uma extravagância do novo chefe da missão do FMI.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 45, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor de economia da Folha.