Em alguns países, o instituto da reeleição funciona bem. Mas, em outros, não se pode dizer o mesmo. Os incidentes em Honduras atestam essa tendência, seguindo o exemplo em vários outros países latino-americanos, notadamente na Venezuela. O Brasil também tem raízes históricas que evidenciam uma propensão inata ao típico caudilhismo.
A tentação para cumprir mandatos sucessivos é irresistível em países onde predomina o populismo e onde a massa de eleitores tem baixo nível de instrução e cultura participativa incipiente. Dirigentes sempre desejam se perpetuar em suas posições, sejam elas políticas, associativas e até recreativas.
No Brasil, a aprovação do segundo mandato na década de 90 rompeu com uma das mais sólidas e duradouras tradições republicanas. E agora o país paga a conta dessa insensatez ao se defrontar com a cogitação de um terceiro mandato para Lula, uma possibilidade felizmente afastada temporariamente.
Não há justificativas para mandatos sucessivos. Na administração pública, se o governo é bem avaliado, certamente haverá continuidade com a eleição de candidatos governistas. É preciso evitar a personalização do sucesso, pois em questões de governo isso é sempre uma conquista coletiva, por maior que seja o carisma e a liderança do chefe. O mesmo deve valer para eleições para mandatos vitalícios, como nos tribunais de contas e nas cortes superiores de Justiça.
Um corolário da premissa de que um mandato é suficiente é que a política não deve ser profissionalizada. Quando os atores públicos tornam-se profissionais, os riscos de adquirirem vícios ligados ao exercício do poder aumentam proporcionalmente à duração de seus respectivos mandatos. Uma pessoa que abandona sua atividade profissional e se torna um profissional da política passa a depender das sucessivas reeleições para viver. Uma derrota eleitoral pode significar um desastre econômico, pois ela abandonou a arte de seu ofício privado. Assim, torna-se capaz de qualquer coisa para se eleger e para se reeleger sucessivamente. Aí está a origem do populismo, das negociatas, dos acordos financeiros, do tráfico de influência, das nebulosas razões dos financiamentos de campanha e da corrupção.
Os recentes escândalos no Senado são comandados pelos "macacos velhos" da política. O descaso com princípios elementares da democracia, como o da publicidade das deliberações, no caso dos atos secretos, é aterradora. Fazer valer o que quer que seja no governo sem a publicação nos diários oficiais é uma flagrante violação de conhecida obrigação constitucional. Já aconteceu no passado de até mesmo o sagrado sigilo do voto ser violado no Senado. Tais crimes refletem o enfraquecimento das instituições e o relaxamento de princípios democráticos por parte daqueles que se acostumaram sempre a mandar e a serem sempre obedecidos. Tornam-se dominados pela sensação de plenipotência.
Não é possível negar que há indivíduos vocacionados para a atividade pública, e nem que existam políticos sérios e bem-intencionados. Mas essas pessoas poderiam continuar sendo úteis à sociedade mesmo com o instituto do mandato único. Nada impede que participem de pleitos eleitorais sucessivos, mas em cargos diferentes, de forma a evitar a lassidão de princípios e de comportamento que a permanência duradoura no poder quase sempre produz.
A reeleição não faz bem à democracia presidencialista. Por estas razões é que defendo apenas um mandato em todos os poderes. Cargos vitalícios e mandatos parlamentares intermináveis devem ser urgentemente questionados, pois fazem os poderosos sentirem-se excessivamente confortáveis em suas cadeiras e confiantes demais na impunidade que o poder ainda concede aos detentores de cargos públicos no Brasil.
(*) Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.