Insegurança jurídica e os tributos
- Marcos Cintra
- 4 de mai. de 2012
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Segurança jurídica consiste em um princípio fundamental da sociedade organizada. Pode ser conceituada como um direito que implica na proteção do cidadão contra alterações bruscas numa realidade fático-jurídica.
Dois fatores causadores de insegurança no ordenamento jurídico são a complexidade da legislação e as mutações constantes que ela, porventura, seja alvo. Nesse sentido, não há nada mais exemplificador da instabilidade que vigora na justiça brasileira do que a realidade na área tributária. A burocracia fiscal e a velocidade da criação de normas relacionadas aos impostos tornam qualquer decisão do contribuinte uma temeridade. O que vale em um determinado momento pode ter sido alterado logo em seguida e uma medida tomada pode dar origem a litígios entre o fisco e o contribuinte.
Um levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) revela que em um período de vinte anos, de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal brasileira, até 2008, foram editadas mais de 240 mil normas tributárias, equivalente a 50 regras por dia útil ou mais de 2 por hora. Atuar em um cenário como esse gera riscos incalculáveis para uma empresa. Saber o que está valendo em termos fiscais é uma tarefa praticamente impossível. O desfecho de uma decisão tomada torna-se imprevisível. Sempre haverá o perigo da firma ser autuada por conta da interpretação da lei que ela faz e a que é feita pelo fisco. Há também o risco quanto à possibilidade de erros derivados da impossibilidade de acompanhamento das normas.
A insegurança jurídica na área tributária é tão expressiva no Brasil que ela pode ser exemplificada por conta do caso envolvendo o crédito prêmio do IPI, benefício fiscal criado em 1969 para estimular as exportações. Esse foi um dos maiores embates entre o governo e os exportadores e se tornou um ícone da insegurança jurídica no país.
Em 1979, dez anos após a instituição do crédito prêmio do IPI, dois decretos-leis determinaram que o incentivo fosse extinto em junho de 1983. No mesmo ano, e novamente em 1981, outros dois decretos-leis trataram do benefício, sem mencionar seu prazo de vigência. Ambos definiram competências ao ministro da Fazenda para alterá-lo. Estava preparado o angu. Os tribunais entenderam que os dois últimos decretos-leis seriam inconstitucionais, e surgiu a questão sobre qual seria o prazo de validade do benefício aos exportadores.
Num primeiro momento, o Judiciário acolheu a validade do crédito prêmio sem qualquer restrição temporal. Esse posicionamento se manteve até 2004, quando a data de vigência do benefício retroagiu para 1983. Porém, em 2006 uma nova posição foi adotada pelo poder judiciário, que passou a entender que sua vigência se deu até o ano de 1990. Esse impasse perdurou durante anos e a matéria envolvendo valores bilionários foi parar no Superior Tribunal Federal (STF).
Em 2009 o STF decidiu pela extinção do crédito prêmio do IPI, entendendo que o benefício deixou de valer desde 1990. Com a decisão, os exportadores perderam uma batalha judicial envolvendo cerca de R$ 300 bilhões.
A absurda proliferação de normas tributárias e o caso do IPI mostram o quanto é perigoso para uma empresa tomar uma decisão no Brasil. Não é à toa que a insegurança jurídica está consolidada como um grande entrave aos investimentos no país.
(*) Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.