Em suas andanças pelo Brasil em 2021, o relator do projeto que altera o Imposto de Renda, senador Angelo Coronel (PSD-BA), afirmou que o melhor destino daquele projeto de lei seria a lata de lixo. Agora, mudou de ideia e pretende dar andamento àquela infausta reforma.
Dentre os incontáveis defeitos técnicos lá contidos, todos exaustivamente apontados anteriormente pelo senador, os mais preocupantes são: a tributação dos dividendos e a vedação de pagamento de juros sobre capital próprio.
Na tributação dos dividendos, o senador justifica sua nova posição preocupando-se apenas em ajustar a contrapartida de redução da alíquota do IRPJ (Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica). Porém, a questão da tributação dos dividendos não é apenas problema de alíquota, mas sobretudo de sistemática.
O relator contraria a posição de manifesto que lhe foi entregue quando de sua visita à Associação Comercial de São Paulo em 2021, e subscrito por mais de 100 entidades profissionais e empresariais de grande representatividade.
Talvez tenhamos que voltar a discutir o PL 2337/2021 do princípio. Qual é seu objetivo? Aumentar a arrecadação? O governo afirma que não, embora até agora não disponha de dados precisos.
Desburocratizar o sistema? Seguramente não, pois, na prática, inviabiliza a simplificadora opção do Lucro Presumido para as empresas.
Corrigir distorções? Erroneamente, essa parece ser a razão apontada pela Receita Federal em relação às empresas uniprofissionais, comparando-as aos assalariados, como se se tratasse da mesma coisa.
Não há como confundir a tributação de empresas unipessoais, optantes do lucro presumido, com o regime do trabalho assalariado. Nada mais equivocado.
A empresa possui capital intelectual acumulado ao longo dos anos, assume riscos, é tributada sobre faturamento, independentemente de haver rendimento líquido na operação, e é vedada a ela a possibilidade de compensação de prejuízos. O profissional unipessoal não tem Fundo de Garantia, previdência ou qualquer mecanismo de proteção, devendo cuidar de seu futuro por sua conta e risco.
Já a relação assalariada implica continuidade, subordinação, hierarquia, certeza de recebimento, e uma multiplicidade de benefícios trabalhistas, todos ausentes do regime do lucro presumido.
Como se vê, claramente, são regimes tributários diferentes para atividades com características diferentes. Para aferir esta diferença com bastante evidência basta comparar o empreendedorismo implícito em uma startup no lucro presumido com a inadequação implícita da transformação do empresário em um assalariado.
Vale lembrar que o regime do lucro presumido adotado pela grande maioria das empresas pequenas e médias, implica tributação mais alta que o regime “geral” do lucro real. Em realidade, tais empresas, ao aceitar pagar mais tributos, estão “comprando” simplicidade e segurança jurídica para escapar da burocracia. Com a extinção desse regime, o ambiente tributário nacional retornará ao famigerado e conflituoso DDL (distribuição disfarçada de lucros), que irá rondar e infernizar a relação entre fisco e contribuintes.
Mas os equívocos do PL 2337/21 vão mais longe. O pagamento de juros sobre capital próprio, que se pretende abolir, se já era preocupante quando o projeto foi apresentado em 2021, quando as taxas de juros se encontravam em patamares mais baixos, se torna muito mais importante com a Selic caminhando para a casa dos 12% ao ano.
Haverá forte impacto no resultado das empresas, criando lucro inflacionário, e estimulando o empresário a trilhar o caminho inverso ao do desenvolvimento sadio, induzindo-o a evitar aportar capital nas empresas. A mera aprovação de um período de transição, como quer o senador Coronel, em pouco atenua esta distorção.
O advogado e economista Otavio Gouveia de Bulhões, que quando na sua gestão como Ministro da Fazenda foi responsável pela Criação do Conselho Monetário Nacional e do Cadastro Geral de Pessoas Físicas e Jurídicas; deve estar se revirando no túmulo com este enorme retrocesso institucional, que contraria a direção que vem sendo tomada por inúmeras economias importantes do mundo.
Não bastassem estas razões econômicas para justificarem a rejeição do projeto de lei, há ainda uma infindável lista de equívocos jurídicos, econômicos e políticos, que vêm sendo reiteradamente apontados por especialistas, a serem levados em consideração e justificados, antes de uma decisão precipitada e discutível por parte do Senado Federal.