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Capítulo 2
Sonegação, as bases não-declaratórias e a cumulatividade
Introdução
Em 1993, quando se discutia a criação de um imposto sobre movimentação financeira com o propósito de contribuir para o ajuste das contas públicas (o IPMF instituído naquele ano), e depois para financiar a saúde pública (a CPMF criada em 1996), muitos críticos desse tipo de tributo alardearam que o mesmo seria danoso ao sistema produtivo nacional. Os fatos acabaram desmentindo as profecias catastróficas apregoadas na época. Particularmente, me coloquei contra a criação dos dois tributos, pois seriam mais encargos para um já caótico sistema tributário nacional.
O fim do imposto inflacionário obtido com o Plano Real levou o governo federal a optar pela elevação das receitas tributárias para poder equilibrar seu orçamento. A política fiscalista do governo Fernando Henrique elevou a carga tributária em relação ao PIB de 25% em 1994 para quase 35% em 2001. Para isso, contribuiu a CPMF, que gerou recursos de baixíssimo custo arrecadatório para a União.
Para rebater o argumento dos que acham que a a cumulatividade é o mal a ser extirpado do sistema tributário brasileiro, publiquei na Folha de S.Paulo artigo no qual defendi a CPMF como uma eficiente espécie tributária, ainda que mal utilizada pelo governo.
A CPMF vem sendo usada, com sucesso, para atingir múltiplas finalidades: garantir o ajuste fiscal, custear a saúde pública, alimentar o fundo de combate à pobreza, detectar os sonegadores, e aumentar o salário mínimo. Mesmo assim, todos a criticam, e insistem em ignorar suas qualidades, principalmente a de aliviar o contribuinte brasileiro. Afinal, se a CPMF não existisse, os impostos convencionais, quase sempre ineficientes e injustos, estariam com alíquotas mais elevadas, onerando ainda mais fortemente os contribuintes indefesos.
A usurpação da proposta do Imposto Único pelo governo, um ato de autêntica pirataria, começou com minha proposta para substituir os atuais tributos declaratórios por um único imposto arrecadatório não-declaratório. Mas logo transformou-se em um imposto a mais a onerar o setor privado brasileiro.
A CPMF, ou o Imposto Único sobre Transações (IUT), como era originalmente conhecido, é um tributo de grande eficácia arrecadatória. Ainda que, com certa ligeireza, se lhe atribuam inúmeras distorções econômicas graves, este tipo de tributo deixa um saldo amplamente favorável quando se pesam suas vantagens e desvantagens.
A objeção mais comum se refere ao impacto prejudicial da cumulatividade da CPMF nos mercados financeiros e no comércio exterior.
Esta crítica é vazia. Nada há que, tecnicamente, impeça o governo de desonerar as exportações, de onerar as importações em igualdade de condições com a produção nacional, e de isentar os mercados financeiros, como, aliás, vem sendo feito pelo governo. Cumpre dizer que a área econômica vem fazendo um grande esforço para criar mecanismos mais aperfeiçoados para desonerar as exportações, e impor uma Contribuição de Equalização Econômica sobre os produtos importados, com a finalidade de extirpar a brutal discriminação contra a produção nacional.
A CPMF tem um mérito inegável, convenientemente ignorado por vários de seus críticos: o de eliminar do atual sistema tributário sua maior aberração, qual seja, as diferenças artificiais de custos de produção causadas pela ampla e generalizada sonegação de impostos no país. A forma pela qual a evasão de impostos distribui a atual carga tributária implica distorção econômica mais grave do que a alegada alteração nos preços relativos que um turnover tax, como a CPMF, poderia estar causando na economia brasileira. A CPMF atenua esta grave distorção.
Contudo, ela irrita e enfurece os grandes interesses porque eles não podem evitá-la. Em geral, o custo da evasão acaba superando a própria economia tributária. Esta é a vantagem de um imposto não-declaratório, que por ser insonegável permite alíquotas baixas, porém universais.
O tributo também desagrada coletores de impostos, tributaristas, e advogados de sonegadores, já que não dá motivo para sua interveniência. Este tipo de tributação reduz custos, elimina a corrupção, distribui o ônus tributário na exata proporção das operações econômicas realizadas pelos contribuintes, e assim os que pagam muito hoje, como os assalariados, poderão pagar menos, e os que sonegam, pagarão as suas partes. Esta é a essência da proposta do Imposto Único.
A questão da cumulatividade, portanto, é uma crítica ao imposto eletrônico facilmente refutável. O verdadeiro, e o maior problema da estrutura tributária brasileira é, seguramente, a sonegação e a evasão de impostos, fonte de profundas distorções na economia do país , estimuladas pela abusiva carga tributária brasileira.
A fúria arrecadatória do governo se intensificou com a estabilização da moeda, quando, com o fim do imposto inflacionário, os desequilíbrios orçamentários demandaram ações voltadas à recuperação da capacidade de investimento do poder público. A opção pelo aumento da extração de fatias crescentes do PIB nacional se deu com a criação de novos tributos, aumento de alíquotas e alterações na base de cálculo de impostos. Multas dessas medidas foram implementadas de modo dissimulado através de portarias e decretos, que gradualmente foram expandindo as receitas públicas. Esas ações pontuais criaram um uma colcha de retalhos, que aprofundou as distorções na estrutura produtiva do país.
Nos últimos anos, o imposto sobre a renda tem sido um dos principais alvos da política fiscalista do governo. A facilidade de fiscalizar o imposto retido na fonte associado ao congelamento de sua tabela, que em inícios de 2002 já durava seis anos, gerou uma elevação na arrecadação desse tributo de 92% desde 1996. Esta é uma situação onde a sonegação também é incentivada.
Quanto aos tributos incidentes sobre o consumo, o Brasil é um recordista mundial. Os bens duráveis, por exemplo, carregam uma carga de impostos em seus preços entre 40 e 50%, enquanto que em outros países os tributos pesam em torno de 6 a 7%. Os alimentos carregam em seus preços 35% de impostos, enquanto a média internacional é de 7%. Esta situação penaliza sobretudo os grupos de baixa renda, que despendem nesse ítem maior fração de suas rendas do que as camadas de renda mais elevada.
Essa enorme carga de impostos incidentes sobre o consumo gera práticas defensivas por parte do comércio, como a venda sem nota, em que o consumidor torna-se conivente, uma vez que obtém ganhos. Ou seja, a sonegação é mais uma vez um prêmio, tanto para o vendedor como para o consumidor, sendo que isso desemboca na corrupção de fiscais fazendários, que assim também se beneficiam dessa estrutura viciada.
Os tributos incidentes sobre a folha de salário das empresas constituem outro fator que causa anomalias na economia brasileira. O alto custo de contratação e manutenção de funcionários é uma das principais causas do crescimento da economia informal nos últimos anos. Metade dos trabalhadores brasileiros não tem carteira assinada, fenômeno este que barateia os custos para as empresas e desonera os salários recebidos pelos empregados, que em muitos casos não declaram esses rendimentos.
A sonegação, portanto, é hoje o tumor a ser extirpado do sistema tributário nacional. A reforma tributária vem sendo discutida há mais de uma década, e o que se vê é o agravamento de distorções na economia. Cada vez que a carga de tributos aumenta, o incentivo à sonegação cresce.
Os burocratas públicos e determinados segmentos do setor privado têm se colocado de modo paranóico contra os tributos cumulativos. Estranhamente, essa campanha coincide com o interesse velado dos sonegadores, uma vez que combate tributos como a CPMF, a Cofins e o PIS, notadamente os mais difíceis de serem sonegados. Esses grupos, na defesa de seus interesses corporativos, convenceram alguns setores empresariais de que os impostos cumulativos representam o maior problema da atual estrutura. Surpreende, contudo, o fato de empresários enfatizarem sua oposição à cumulativídade, ao invés de defenderem a redução do número de tributos e lutarem por alíquotas menores.
Cumulatividade e valor agregado: distorções e vantagens
José Roberto Afonso e Érika A. Araújo, afirmam que os tributos cumulativos “são mais fáceis de serem cobrados e serem pagos...”, ao passo que os sobre valor adicionado são “mais complexos de serem apurados, e mesmo compreendidos”.
Por outro lado, em sua argumentação contra os impostos cumulativos os autores elencam duas características indesejáveis, supostamente inexistentes nos IVA´s. Dizem que os tributos cumulativos são “os mais danosos à competitividade da produção nacional, pela dificuldade em eliminar integralmente sua incidência sobre um bem exportado e pela vantagem que oferecem às importações que, em regra geral, não se sujeitam ao mesmo tratamento no país de origem”.
No tocante a esta observação é interessante notar a reação do Prof. José Alexandre Scheinkman ao ser convidado a proferir palestra sobre competitividade comercial e harmonização tributária. Disse “competitividade é uma noção que não faz nenhum sentido para um país como um todo. Todos os países têm maior competitividade ou menor competitividade em produtos diferentes”. E complementa: “a idéia de que a estrutura tributária... afeta a competitividade a meu ver não faz sentido”.
O Prof. Scheinkman demonstra com precisão que o fator que deprime a produtividade em uma economia é a sonegação e a economia informal. Se o sistema tributário induz altas taxas de sonegação e elisão, a produtividade deixa de guardar correlação com os investimentos em tecnologia e em com eficiência administrativa e gerencial. Uma empresa de baixos custos de produção pode não ser “competitiva” frente a uma outra que sonegue os tributos, ainda que os custos de produção da empresa sonegadora sejam mais elevados. Isto estimula a sobrevivência de empresas ineficientes, e deprime a produtividade econômica do país. Como no Brasil o sistema tributário encoraja a sonegação e a informalidade, ele “deprime a produtividade de uma maneira muito importante”. Vê-se, portanto que não é a cumulatividade que compromete a “competitividade nacional”, mas sim um sistema tributário indutor da sonegação, como em geral acontece com o uso dos tributos declaratórios.
Ele complementa afirmando que “a necessidade da reforma tributária não tem nada a ver com as coisas da integração do país num bloco de comércio”, e que “precisamos de uma reforma tributária tratada de maneira séria, com a redução das alíquotas dos impostos que são muito altas no Brasil, e aí as pessoas tendem simplesmente a evitar os impostos e a sonegar”.
Em outras palavras, a remoção da cumulatividade não aumentará a produtividade e a competitividade da economia pois dela resultarão aumentos das alíquotas dos impostos convencionais e, portanto, maior sonegação. O grande vilão do sistema tributário atual não é a cumulatividade, mas sim a sonegação resultante da complexidade e das altas alíquotas implícitas nos modelos tributários declaratórios atuais.
Vale apontar ainda que ambas as “desvantagens” dos tributos cumulativos mencionadas no estudo do BNDES podem ser plenamente superadas com políticas tributárias adequadas.
Aliás, a mini-reforma tributária anunciada em julho de 2001 pelo governo avança exatamente nestas duas direções, ou seja, a desoneração plena das exportações e a criação de uma contribuição de intervenção no domínio econômico com incidência sobre os bens e serviços importados. O objetivo dessas medidas é garantir absoluta isonomia entre os produtores nacionais e estrangeiros, desfazendo, portanto, as duas críticas contra a CPMF apresentadas pelos autores do estudo do BNDES.
Uma análise racional exige que a avaliação de cada espécie tributária seja feita não apenas em termos de suas características intrínsecas, mas também considerando os padrões circunstanciais nos quais ela será aplicada. Se isto não for feito, e se se aceitarem, de forma ingênua, automática, e sem questionamentos as hipóteses simplificadoras e estilizadas contidas nos compêndios teóricos de finanças públicas, corre-se o risco de cometer equívocos grosseiros.
Alega-se que o IVA possui a vantagem de introduzir menos alterações nos preços relativos dos insumos do que os tributos cumulativos. Contudo, esta afirmação depende da aceitação da premissa da existência de mercados competitivos perfeitos. Sabe-se, contudo, que esta hipótese tem uma função essencialmente heurística, e que na prática os mercados não satisfazem os quesitos para serem considerados perfeitos. Nestas condições, a teoria do “second best” já demonstrou à saciedade que se torna impossível fixar um ordenamento confiável de situações alternativas do mercado sem uma análise pontual e específica de cada cenário, o que evidentemente não é feito quando se afirma “a priori” que tributos sobre valor agregado são mais eficientes que os cumulativos.
Segundo os postulados da teoria do “second best”, como afirma J. A. Kay, “propostas de reformas tributárias não devem ser avaliadas contando-se o número de distorções, e argumentos baseados em “dupla tributação” ignoram o fato de que é o nível relativo da tributação, e não o número de vezes que o imposto incide, que é relevante na tomada de decisões econômicas”.
Em interessante trabalho que busca conclusões de caráter normativo acerca do impacto alocativo de diferentes tipos de impostos, Claudia e Ibrahim Eris utilizam o modelo linear de Leontif na busca de diretrizes de política tributária, e afirmam que “a tarefa de ordenar impostos como “melhores” ou “piores” é bastante complexa, mesmo em modelos simples como o adotado acima, e a literatura neste sentido tem-se resumido a alguns trabalhos esparsos, algumas vezes mesmo errôneos”. Os autores concluem o trabalho afirmando que “na verdade o mundo das Finanças Públicas é o mundo de “second-best” e nestas condições os tradicionais diagramas de “fronteiras de utilidade” são muitas vezes irrelevantes já que as distorções do sistema colocam a economia mum ponto abaixo de tais fronteiras. O deslocamento da fronteira de utilidade para cima nada diz sobre o ponto (abaixo da fronteira) em que estará a economia”
Ademais, a moderna teoria do bem-estar demonstra que a sociedade não optará por uma situação alocativamente eficiente se, comparada a outra situação, mesmo que ineficiente, puder atingir um ponto superior em sua função de bem-estar social. Em outras palavras, mesmo que os IVA´s introduzam menos distorções na formação dos preços relativos, é possível que impostos cumulativos sejam preferíveis se, por exemplo, puder ser comprovado que a sonegação é menor, ou que para uma mesma meta de arrecadação sua alíquota nominal for mais baixa, do que resultaria um padrão de incidência tributária mais aceitável para a sociedade, como demonstrado no Anexo 2 a este capítulo .
Outra situação semelhante poderia resultar da comparação entre os elevados custos de funcionamento dos IVA´s relativamente aos impostos cumulativos, que por serem nãodeclaratórios e arrecadados eletronicamente implicam baixíssimos custos operacionais tanto para o setor público quanto para o privado.
Os IVA´s introduzem distorções adicionais graves ao estimularem a excessiva terceirização, ao necessitarem alíquotas elevadas para uma dada meta de arrecadação, e ao imporem elevadíssimos custos operacionais em sua implementação.
Em economias com abundante oferta de trabalho é desejável que se estimule o uso desse fator de produção para garantir o pleno emprego. Contudo, o IVA incide sobre o valor agregado em cada estágio de produção (salários, lucros, juros e aluguéis). Isto implica tributar estes mesmos fatores de produção, entre eles o trabalho, com alíquotas mais elevadas que os tributos cumulativos, como argumentaremos mais abaixo. Com isso, estabelece-se um padrão de discriminação dos IVA´s contra os rendimentos do trabalho, principalmente nos setores altamente intensivos em mão-de-obra, como é o caso do setor de serviços.
Ainda há outros argumentos. Os custos administrativos dos IVA´S são absurdamente elevados, especialmente em países federativos como o Brasil . São igualmente ineficientes, do ponto de vista operacional, quando aplicados por níveis subnacionais de governo. Os IVA´s são tributos próprios de países unitários. Poucas nações federativas os aplicam, e as que o fazem, incorrem em elevados custos e em enormes complicações burocráticas, como o Brasil e o Canadá . Não é à toa que os EUA se mantiveram afastados dos IVA´S. E não é por capricho que se busca no Brasil a unificação do ICMS, após constatar-se sua absurda complexidade na forma como vem sendo aplicado.
Estudo realizado no Reino Unido demonstrou que, mesmo em um país de tradição administrativa unitária, os custos operacionais dos IVA´s são elevados . Depois do Imposto de Renda da Pessoa Física o imposto sobre valor agregado é o mais oneroso para a sociedade, absorvendo 4,72% de sua arrecadação, como pode ser visto na tabela que segue. Cumpre observar que o custo operacional mais baixo é o dos impostos seletivos (excise taxes), que por ter características essencialmente não-declaratórias, implica custos administrativos de apenas 0,45% de sua arrecadação.
TABELA 6
Custos operacionais do sistema tributário - Reino Unido (1986-87)
Seguindo a mesma linha de análise, as conclusões do Simpósio Internacional sobre Reforma Tributária realizado em São Paulo com as presenças de alguns dos maiores tributaristas do mundo (dentre eles Arnold Harberger, Charles McLure, Richard Bird, James Buchanan, Vito Tanzi, Anwar Shah, John Edwards e outros) foram unânimes em condenar a aplicação de um IVA sob responsabilidade dos estados no Brasil.
Ademais, em países federativos, este tipo de tributo gera guerras fiscais fratricidas, o aparecimento de barreiras alfandegárias estaduais, e até entre municípios. É o paraíso dos advogados tributaristas, e dos fiscais corruptos.
Everardo Maciel, Secretário da Receita Federal afirmou que “cometemos um grave erro em matéria tributária neste país na década de 60. O Brasil foi extremamente arrojado e ousado quando trouxe para cá ...o imposto sobre valor agregado, o ICM...e foi com a tributação até o varejo. Certamente o país não estava preparado para este tipo de tributação, pela própria tradição cultural brasileira de sonegação de impostos. Cometeu-se outro erro... pensou-se que o ICM era sucedâneo para o IVC. O erro consistiu basicamente em conferir a Estados a titularidade de um imposto sobre valor agregado incidente sobre o consumo, gerando dois problemas quase insolúveis. O primeiro foi a desoneração das exportações...o segundo aparece nas operações interestaduais. Os impostos sobre valor agregado sobre o consumo não se prestam bem para enfrentar alfândegas.”
Ives Gandra, nos ensina que o nó górdio da reforma tributária reside no ICMS . Trata-se de um tributo do tipo IVA. Mais de cem países adotam esta espécie tributária no mundo, mas quase sempre sob a responsabilidade e gestão do governo central. Raramente são utilizados em federações, como a brasileira. A vocação do ICMS é federal, não estadual, e a teimosia de mantê-lo no âmbito dos Estados tem provocado grandes distorções em seu funcionamento.
Os tributos cumulativos incidem sobre o valor total da produção, ao passo que os IVA´s incidem apenas sobre o salários, lucros, juros, e aluguéis de cada estágio do processo produtivo. Consequentemente, para uma dada meta de arrecadação, os IVA´s precisam de alíquotas mais elevadas que os impostos cumulativos.
O famoso Relatório Meade sobre a reforma tributária no Reino Unido apontava que “the economist distinguishes between the “income effect” and the “substitution effect” of a tax burden....”income” effects are not a symptom of economic efficiency and waste;…but “substitution” effects are an indication of economic inefficiencies and wastes…Avoidance of economic inefficiencies would involve avoidance of high marginal rate of tax where these substitution sensitivities were great. One corollary of this need to keep marginal tax rates down is a general presumption in favour of tax systems which provide a broad basis for revenue-raising purposes. To raise a given revenue by means of low rates of tax spread over a large tax base may be assumed to cause less marked “substitution” distortions than than to raise the same revenue by concentrating high rates of tax on a few activities, unless special circunstances suggest that that those particular activities show exceptionally low substitution sensitivities.”
No tocante aos efeitos alocativos do sistema tributário, cumpre observar que para minimizar distorções o ideal seria o uso de tributos que não causassem qualquer modificação nas decisões econômicas tomadas em situação de ausência de impostos. Em outras palavras, um sistema tributário ideal minimizaria o “dead-weight tax loss” (peso morto”dos impostos). Contudo, sabe-se que apenas um imposto sobre a vida, ou seja, um tributo de valor fixo per capita atingiria tal desiderato. Sendo, contudo, uma alternativa inaceitável nas sociedades modernas, resta a tentativa de minimizar perdas de eficiência. E nesse sentido, uma regra básica seria o uso de tributos capazes de mostrar altas alíquotas médias, porém baixas alíquotas marginais. Como as decisões econômicas são tomadas sempre na margem, o uso de tributos com esta característica seriam mais desejáveis que tributos que demonstrassem taxas médias e marginais constantes (como os IVA´s), ou então alíquotas marginais superiores às médias (como o Imposto de Renda progressivo).
Vê-se, assim que, ao necessitarem alíquotas marginais mais baixas para uma dada meta de arrecadação, o tributo sobre movimentação financeira pode ser menos distorcivo do que os tributos sobre valor agregado, que exigem alíquotas marginais significativamente mais elevadas, desfazendo as certezas que cercam as afirmações sobre os males da cumulatividade e os acertos dos tributos sobre valor agregado. Em realidade, o Relatório Meade conclui que “it is an impossible task to trace through the complete efficiency and distributional effects of a tax change in a complex economy in which there is a complicated network of market and productive inter-relationships between a large number of products and activities and in which there many kinds of market imperfection and of environmental and similar side effects.”
A conclusão inevitável aponta na direção do uso do sistema tributário como um componente da disputa política por maiores espaços econômicos a que se entregam os variados grupamentos organizados na sociedade brasileira. O pseudo-cientificismo que marca a crítica de determinados grupos às propostas de reforma tributária como a do Imposto Único deve, portanto, ser exposto como apenas mais um instrumento na luta pelo poder econômico, estando, portanto, longe de ser uma avaliação normativamente válida para a obtenção de um melhor posicionamento na escala das preferências sociais.
Vale apontar ainda que a sonegação e a elisão variam em proporção direta ao nível das alíquotas nominais dos impostos, ou seja, quanto mais altas as alíquotas, maior o estímulo e o prêmio à sonegação e à elisão. È fácil concluir, portanto, que os IVA´s estimulam a sonegação e a evasão com maior intensidade do que os tributos que exigem alíquotas mais baixas, como os cumulativos . E à medida que a evasão e a sonegação aumentam, novas rodadas de aumentos de alíquotas tornam-se necessárias. Não surpreende, portanto, que em todos os países onde foram aplicados, os IVA´s tiveram suas alíquotas continuamente aumentadas, como na Argentina, e no Brasil, onde começou com 12%, são hoje 17% na maioria dos produtos, e chegam em vários casos a 25% ou até a 30%.
Assim, por terem alíquotas mais altas, e por estimularem a evasão, os IVA´s possuem péssimos padrões de incidência. Alguns contribuintes pagam impostos em excesso, ao passo que muitos pagam pouco, ou menos do que deveriam.
É o sistema do conluio contra o setor público, da venda sem nota, da venda com meia nota, dos passeios de notas fiscais e do “planejamento tributário”. Criam-se, assim, distorções alocativas de grandes proporções, na medida em que os custos de produção e a capacidade de concorrência das empresas não mais definem sua eficiência de produção. Pelo contrário, a capacidade competitiva das empresas passa a depender, em grande parte, das taxas de evasão praticadas pelos administradores de empresas, relativamente a seus concorrentes. Estimula-se a sobrevivência dos espertos, a dominação dos mais corruptos, e a seleção do mercado deixa de privilegiar o mais eficiente.
Não é por acaso, destarte, que em economias com altas taxas de evasão, a carga tributária passa a incidir com peso desproporcionalmente maior sobre os menos capazes de praticar evasão de impostos, como os assalariados. No Brasil os rendimentos do trabalho respondem por 52% da carga tributária; mas representam apenas 23% da renda nacional.
Por sua vez, os impostos cumulativos também causam distorções típicas. Introduzem alterações nos preços relativos dos insumos, ainda que seus efeitos negativos sejam fortemente mitigados por terem alíquotas marginais baixas. Os tributos cumulativos são menos transparentes, pois se enraízam na produção e tornam-se invisíveis, exceção à última operação onde sua transparência é maior que a dos IVA´s, pois estes últimos estão sempre embutidos nos preços das mercadorias.
No caso das exportações, os tributos cumulativos exigem métodos mais complexos de desoneração da produção, ainda que este seja um problema técnico perfeitamente contornável se se dispuser de matrizes de relações interindustriais detalhadas. Basta investir em pesquisa e possuir a vontade para computá-las.
Um equívoco comum na avaliação de IMF´s advém da presunção de que tributos cumulativos acumulam elevadas cargas tributárias geradas por “longas” cadeias de produção.
As cadeias de produção jamais podem ser descritas como “curtas” ou “longas”: são sempre infinitas. Em realidade, qualquer produto ou serviço implica a contribuição de todos os demais setores da economia para sua produção. Trata-se de uma processo circular e que necessariamente utiliza insumos de vários outros setores que, por sua vez, necessitam de insumos de outros setores, e assim sucessivamente. Portanto, a cadeia de produção é sempre infinita.
O que determina a carga de impostos de um tributo cumulativo é a relação entre insumos e valor agregado em cada estágio no processo de produção. Por exemplo, se um dado setor de produção compra insumos de um determinado valor e agrega valor em montante equivalente, a cumulatividade carregada das etapas anteriores de produção achase totalmente embutida no valor dos insumos adquiridos. O valor agregado nesta etapa de produção não sofre qualquer efeito cumulativo nesta mesma etapa, passando a faze-lo apenas na medida em que a produção se transforma em insumo na etapa posterior de produção.
A tabela abaixo reflete este fato, supondo-se uma taxa de agregação de valor (VA) equivalente a 100% do valor dos insumos adquiridos. No exemplo, supõe-se que o valor do produto final seja R$ 100, incluído o IMF de 1% no débito e no crédito bancários.
Os dados mostram que os efeitos da cumulatividade tributária se exaurem rapidamente ao se analisar o imposto carregado das etapas anteriores de produção, seguindo uma progressão geométrica decrescente, cuja razão pode ser vista na tabela abaixo. No exemplo dado, o valor total do imposto acumulado no preço do produto final é de R$ 3,8646, ou seja a carga tributária equivale a 3,8646% do preço final.
Nota-se que nas condições especificadas no exemplo a cumulatividade gerada ao longo da cadeia de produção se exaure rapidamente, atingindo valor de apenas cinco centavos de real, R$ 0,05 , na etapa t-5, caminhando rapidamente para valores próximos de zero. Percebe-se, assim, que a acumulação de tributos ocorre com intensidade bem menos alarmante do que fazem crer os críticos dos impostos sobre movimentação financeira. Na etapa t-3 o valor do imposto corresponde a pouco mais de 5% da carga tributária total.
GRÁFICO 1: Imposto gerado por etapa na cadeia produtiva (VA = 100%)
Tomando-se um exemplo extremo, no qual o valor agregado em cada etapa é de apenas 10% do valor dos insumos adquiridos, a carga tributária na composição do preço final atinge 18,1066%. Nota-se que mesmo neste caso o imposto carregado de cada etapa anterior da cadeia de produção também cai rapidamente para valores próximos de zero. Na etapa t-6 o valor do imposto corresponde a apenas 5% da carga tributária total.
GRÁFICO 2: Imposto gerado por etapa na cadeia produtiva (VA=10%)
O gráfico abaixo mostra o impacto da cumulatividade na cadeia de produção para vários níveis de agregação de valor.
GRÁFICO 3: Carga tributária na cadeia de produção
Outra crítica afirma que a CPMF vai contra todos os modernos princípios da ciência tributária e contraria tudo o que fazem os outros países. A primeira parte deste comentário é falsa, e a segunda é irrelevante, não merecendo contestação.
Políticos, economistas e tributaristas de boa estirpe no Brasil e no mundo apóiam impostos sobre transações financeiras e os recomendam em seus trabalhos e estudos. Entre economistas e tributaristas pode-se mencionar James Tobin (Prêmio Nobel de Economia), Rudiger Dornbusch, Roberto Campos, e Ary Oswaldo Mattos Filho (presidente da Comissão Especial de Reforma Tributária instalada pelo governo federal no começo dos anos 90); entre políticos, surgem nomes como os de Flavio Rocha, Luiz Roberto Ponte (autor da PEC n.º 46/95 em tramitação no Congresso) e Luiz Carlos Hauly (autor de outra respeitada proposta).
Como defensores das qualidades desses tributos, menciono ainda recentes apoios de conhecidos representantes da esquerda, como Roberto Freire e Maria da Conceição Tavares. Para finalizar, não poderia deixar de citar as inteligências de Everardo Maciel e do ex-ministro Adib Jatene na defesa de tributos sobre movimentação financeira.
Mas o importante no caso brasileiro é que na comparação entre vantagens e desvantagens, os impostos cumulativos como a CPMF apresentam amplo saldo positivo. Não discriminam contra os salários, possuem alíquotas muitos mais baixas que os IVA´s, e com isso desestimulam a sonegação e a corrupção. Ademais têm custos baixíssimos de operação, quase zero no caso dos impostos eletrônicos como a CPMF. Portanto custam menos à sociedade e reduzem significativamente o famigerado custo-Brasil.
Sobre a CPMF: as razões do Banco Central e da Receita Federal
Recentemente o Banco Central publicou dois estudos, com o objetivo de analisar o impacto econômico da CPMF.
Cumpre afirmar que o Banco Central do Brasil vem se posicionando de forma consistentemente contrária à incidência da CPMF nos fluxos e transações realizados no mercado financeiro e de capitais. Durante o período de preparação do mini-pacote tributário, que foi finalmente anunciado em princípios de Junho de 2001, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, em entrevista à imprensa chegou a anunciar que o governo finalmente decidira isentar as transações realizadas nos mercados financeiros e de capitais da incidência da CPMF.
Os fatos acabaram não sancionando a expectativa do Banco Central, o que pode ter motivado a divulgação dos dois estudos como forma de pressionar as autoridades econômicas a conceder a pretendida isenção.49
As alegações em geral apontam em duas direções. Em primeiro lugar, atribui-se à CPMF a acelerada queda na movimentação financeira realizada nas bolsas de valores. Em segundo lugar, aponta-se para os impactos que a cumulatividade geraria na formação das taxas de juros no Brasil, contribuindo assim para explicar, em parte, os níveis elevados em que se encontram.
Em realidade, desde os primórdios da discussão acerca do Imposto Único sobre Transações Financeiras, sempre foi apontada a inadequação de sua incidência nos mercados financeiros e de capitais. A argumentação é de que uma aplicação financeira equivale ao aluguel de dinheiro, ou de capital. Da mesma forma que a CPMF não incide sobre o valor do imóvel a cada renovação contratual, também não deve incidir sobre o principal de uma aplicação financeira a cada repactuação, giro, ou vencimento de contrato .
Ao criar inicialmente o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira nos anos 1993/94 e depois com a CPMF a partir de 1997, o governo não adotou este cauteloso procedimento, e, atraído pelas receitas geradas nas transações oriundas do mercado financeiro e de capitais, não isentou esses mercados, fazendo com que a cumulatividade do tributo impactasse fortemente os custos de transação e as taxas de juros no Brasil.
Albuquerque desfia um rosário de críticas aos chamados impostos sobre débitos bancários. Em resumo, o autor caracteriza a CPMF como um mau imposto, que apresenta “significativas deficiências como instrumento de arrecadação”, dentre elas a elevação dos juros reais “de modo desproporcional a outros impostos”, e como conseqüência, o aumento das despesas do governo no serviço de sua dívida; a desintermediação e iliquidez nos mercados financeiros, desincentivando o “ressurgimento” (sic) do crédito; e elevadas perdas de peso morto.
Afora a imprecisão e estranheza de algumas dessas afirmações, o estudo se mostra altamente fragilizado por evidenciar uma análise parcial e preconceituosa do problema, além de revelar fraquezas metodológicas, como apontado em recente estudo da Receita Federal .
Segundo a avaliação da SRF, o estudo do BC se baseia em hipóteses fortes, dificilmente aceitáveis em estudos empíricos de políticas públicas, como ele pretende ser. Não há como aceitar uma avaliação que dependa criticamente de hipóteses como a existência de concorrência perfeita e de uma função de produção bem especificada. Ademais, há falhas na especificação do modelo econométrico (como a não estimação econométrica de variáveis relevantes), e a possibilidade de forte correlação dos resíduos das variáveis selecionadas, o que poderia indicar uma ilusória correlação entre as variáveis do modelo. Em outras palavras, os altos índices de correlação poderiam facilmente revelarse espúrios, dadas as condições nas quais o modelo foi estimado.
Discordâncias técnicas à parte, o estudo do Banco Central tenta mostrar que a incidência da CPMF nos mercados financeiros implica graves inconvenientes, ainda que o estudo da Receita Federal tenha em grande parte minimizado os alegados efeitos negativos daquele tributo. Argumentos como a indução à verticalização das empresas , os riscos de desintermediação bancária e a ausência de progressividade e de seletividade da CPMF são temas que já foram devidamente discutidos, e se mostraram destituídos de interesse prático ao longo das discussões que tiveram lugar na década de noventa. Nenhum desses riscos foram comprovados durante a vigência da CPMF.
Vamos, portanto, concentrar a avaliação em duas críticas de maior relevância, quais sejam, os impactos da CPMF na taxa de juros, e a destruição de sua própria base de incidência com a elevação das alíquotas nominais.
A alegação de que a CPMF tenha causado forte elevação nos juros reais pode ser contestada de forma bastante convincente, ainda que, coeteris paribus, a CPMF efetivamente cause uma elevação dos juros. Ou seja, ainda que qualitativamente a afirmação seja correta, uma avaliação quantitativa mostra que se trata de problema de menor importância.
O modelo utilizado pressupõe, sem qualquer justificativa, uma demanda por crédito totalmente inelástica, o que evidentemente magnífica o impacto da CPMF nos juros. A partir daí o estudo do Banco Central afirma que a CPMF “contribui para o aumento do déficit público”, ou seja, dá a entender que a arrecadação da CPMF é menor do que o aumento no custo do serviço da dívida pública. Como a estimativa de arrecadação da CPMF é de cerca de R$ 19 bilhões, e supondo-se exageradamente que 40% da dívida líquida do setor público (cerca de R$ 240 bilhões) sejam indexadas à taxa Selic, o que se depreende é que a elevação dos juros nominais causada pela CPMF teria sido de aproximadamente oito pontos percentuais, um evidente exagero, haja vista a afirmação do texto do Banco Central de que o impacto da CPMF nos juros Selic seria de 2,7%, no crédito ao consumidor teria sido de 3,3 %, e de 5,9% no cheque especial.
O maior impacto na formação das taxas de juros no Brasil não vem da CPMF, mas sim do chamado “spread” bancário. Estudos do próprio Banco Central demonstram que a influência dos tributos na formação dos spreads é bastante modesta. Mais importante são as taxas de captação exigidas pelos poupadores, os custos operacionais dos Bancos e suas taxas de lucro.Ainda que seja verdade que as taxas de captação são influenciadas pela CPMF, não há como negar que os altos juros no Brasil encontram explicação mais plausível na microeconomia do sistema bancário brasileiro, altamente concentrado, pouco competitivo, cartelizado, com altos custos operacionais, e exageradamente rentável.
Segundo o estudo da Receita Federal, afirmar que a CPMF é responsável pelos altos juros brasileiros “é, no mínimo precipitado. A CPMF impacta a taxa de juros como outros impostos incidentes sobre as operações financeiras (IOF, por exemplo), inúmeras taxas cobradas nas transações e tantos outros custos e lucros decorrentes da atividade de intermediação financeira. Antes de qualquer conclusão... dever-se-ia apurar os verdadeiros componentes do spread bancário (37% a.a. em outubro de 2000, dos quais mais da metade é o lucro bruto do banco, deduzidos todos os custos e impostos indiretos). Porém todos sabemos que esses fatores não são os mais importantes na definição da taxa de juros brasileira. A taxa de juros representa, em síntese, a avaliação geral do mercado sobre a credibilidade dos papéis brasileiros...”. Vê-se, portanto, que atribuir à CPMF os elevados encargos financeiros cobrados no Brasil é no mínimo um exagero, e mais provavelmente uma boa desculpa para justificar a elevada rentabilidade no setor.
Além do mais, uma análise isenta deveria contrapor a eventuais impactos da elevação dos juros, a redução nos custos operacionais causada pela substituição dos impostos declaratórios por tributos sobre transações financeiras, de baixíssimo custo operacional.
Ainda que o autor não tenha embasado tal afirmação em dados empíricos confiáveis, e que, portanto revele afirmações altamente especulativas em suas expressões quantitativas, o fato é que um imposto sobre transações financeiras de fato eleva as taxas de juros. E ainda que a elevação não seja significativa, e nem possa ser responsabilizada pelas dificuldades orçamentárias do setor público brasileiro, a CPMF não deveria incidir sobre o mercado financeiro e de capitais, como venho afirmando desde o começo da discussão da proposta do Imposto Único, nos primeiros anos da década de noventa.
Não se trata de uma recomendação baseada no impacto numérico da CPMF nos juros, mas sim de uma necessidade conceitual, como já pudemos afirmar inúmeras vezes. Sob esse aspecto, a argumentação do estudo do Banco Central é procedente, ainda que pelas razões erradas, e justifica a não incidência da CPMF no mercado financeiro.
Cabe apontar, contudo, que a proposta do Imposto Único , que prevê a não incidência da CPMF no mercado financeiro, não cria privilégio algum, pois, de forma compensatória, defende a tributação especial dessas operações. Em outras palavras, o que se preconiza é a não incidência cumulativa no giro financeiro, mas apenas a tributação sobre os rendimentos líquidos das carteiras de aplicação financeira, com alíquotas equivalentes à alíquota média do sistema tributário vigente. Assim, se, o Imposto Único com alíquota de 3% gerar uma arrecadação de 25% do PIB, a alíquota sobre rendimentos financeiros reais seria de 25%.
É importante enfatizar esta característica da proposta do Imposto Único, pois a Receita Federal em seu estudo sobre a CPMF critica fortemente os defensores da isenção dos mercados financeiros imaginando que a isenção seria concedida desacompanhada de tributação específica sobre o setor, uma evidente desinformação do autor do estudo que afirma que se estaria “privilegiando uma classe de indivíduos, justamente os mais afortunados, em detrimento do resto da população sujeita à CPMF”.
Quanto ao temor da Receita Federal de que a metodologia de tributação das aplicações financeiras preconizada pelos defensores do Imposto Único “demandaria controle operacional extremamente complexo e custoso”, trata-se de afirmação surpreendente frente à conclusão dos próprios autores do estudo que, em outra parte do trabalho, demonstram convincentemente que a era da informática e os progressos tecnologia digital serão capazes de sustentar um sistema tributário baseado em impulsos eletrônicos de forma simples, barata e eficiente. Em outras palavras, não seria recomendável abrir mão de um princípio conceitual correto a partir de mera presunção de dificuldades operacionais.
O segundo aspecto da CPMF objeto de críticas do Banco Central se refere às perdas de peso morto (“deadweight losses”). A alegação é de que a CPMF destrói sua própria base de incidência com a elevação de suas alíquotas.
Inicialmente cabe afirmar que qualquer imposto sofre este efeito, expresso nas elasticidades da oferta e demanda. Quanto maior a alíquota nominal do tributo, maior o estímulo à evasão e à sonegação. Espera-se, também, que este efeito sofra uma taxa de aceleração tão mais forte quanto mais elevado for o nível das alíquotas.
Sob este aspecto os tributos cumulativos como a CPMF têm vantagens. O impacto da corrosão da base ocorre em função das alíquotas marginais, e não das alíquotas médias. No caso dos tributos sobre valor agregado, que incidem sobre uma base imponível menor (o valor agregado em cada estágio da produção) as alíquotas necessárias para uma dada meta de arrecadação são mais elevadas do que as aplicáveis a um imposto cumulativo, que incidem sobre uma base mais ampla (o faturamento). Além do mais, no caso dos IVA´s as alíquotas média e marginal são iguais, ao passo que no caso dos impostos cumulativos a alíquota média é sempre mais elevada que a marginal. Dito isto é fácil concluir que o impacto de autocorrosão da base imponível é mais forte nos IVA´s do que nos tributos cumulativos.
No caso da CPMF a expressão da perda de base de incidência que o Banco Central alega ter existido no Brasil deve ser medida pela evolução da desintermediação bancária, pela queda nos volumes de depósitos bancários, e pela concomitante expansão do uso de papel moeda, em detrimento do uso da moeda escritural em suas mais variadas formas. Em outras palavras, a ser verdade a alegação do Banco Central o público deve ter reduzido o uso das instituições bancárias, passando a realizar suas transações crescentemente com moeda manual. Os dados, contudo, não confirmam esta hipótese.
TABELA 8
Papel moeda em poder do público, depósitos à vista e preferências do público
As informações da Tabela 8 mostram que apesar da rápida queda dos índices inflacionários a partir do Plano Real, bem como da vigência de tributos sobre transações bancárias, (que supostamente deveriam ter aumentado aceleradamente a preferência pelo uso da moeda manual) os indicadores de preferência pelo papel-moeda não mostraram diferenças significativas em relação aos patamares anteriores. Os depósitos à vista no sistema bancário vêm aumentando como proporção do PIB, bem como se tem mantido praticamente constante a preferência do público por papel moeda vis a vis o uso de moeda escritural por meio de depósitos bancários.
No estudo do Banco Central, o autor estimou o peso morto da CPMF, mas não fez o mesmo com um IVA que produza a mesma arrecadação, o que inevitavelmente teria demonstrado a superioridade da CPMF relativamente a um IVA como, por exemplo, o ICMS.
Finalmente, as evidências trazidas pelo Banco Central contra a CPMF a partir de experiências internacionais não são teoricamente comparáveis com a experiência brasileira. As condições para o bom funcionamento de um imposto sobre movimentação financeira não se encontram presentes em nenhuma outra economia. Apenas o Brasil reúne hoje condições propícias para uma correta aplicação de um tributo sobre movimentação financeira, o que torna as comparações falaciosas do ponto de vista conceitual, já que não se aplicam as condições coeteris paribus necessárias para uma correta comparação de eficiência operacional.
Também na questão dos alegados malefícios que a CPMF poderia ter causado às Bolsas de Valores brasileiras, o estudo da Receita Federal demonstrou satisfatoriamente a ausência de nexo causal entre a CPMF e a perda de volume nas negociações. Em realidade foi a instituição dos ADR a principal responsável pela migração dos negócios para os mercados americanos. O mesmo ocorreu, como demonstrado naquele trabalho, nas bolsas na Argentina, Chile e México, cujos negócios domésticos praticamente desapareceram (no México no período de um ano os negócios caíram de US$ 300 milhões/dia para menos de US$ 30 milhões), sem que em nenhum desses países existisse um tributo cumulativo sobre as operações em bolsas. Em realidade os capitais buscam, sobretudo, a maior liquidez e, para os investidores extrangeiros, a ausência de risco cambial que as ADR´s lhes proporcionam ao permitirem a negociação dos papéis de seus respectivos países nos mercados dos EUA.
No caso brasileiro, claramente a relação causal existente é entre migração de negócios e a criação dos ADR´s, e não entre migração e CPMF. No entanto, a especificação do modelo do Banco Central ignora este nexo causal.
Em resumo, o estudo do Banco Central é superficial, especifica erroneamente os modelos econométricos, e omite variáveis e relações causais que poderiam alterar significativamente os resultados encontrados. Ademais, apenas aponta os custos e desvantagens da CPMF, como seu impacto na elevação dos juros, e o desestímulo que isto poderia causar aos mercados financeiros, ignorando por completo suas virtudes, como a virtual eliminação da sonegação, a redução dos custos de funcionamento da máquina pública, e a menor corrupção que acompanha os impostos não-declaratórios e eletrônicos.
O segundo estudo do Banco Central , mostra surpreendente fragilidade conceitual e estatística. Revela a clara intenção de demonstrar, por meios que ilusoriamente tentam demonstrar grande sofisticação metodológica, algo que não pode ser demonstrado visto não ser verdadeiro: que a CPMF é causadora de desintermediação financeira no Brasil.
O trabalho da Receita Federal mencionado anteriormente afirma que “a crítica da desintermediação financeira pode ser facilmente refutada, pois... os agentes não deixaram de realizar transações financeiras em decorrência da CPMF, e o sistema bancário brasileiro continua operando normalmente”.
O trabalho do Banco Central pretende comprovar eventuais impactos indesejáveis da CPMF nos mercado financeiros. Assim, ele afirma que a CPMF corrói a sua própria base de arrecadação, e que foi responsável pela redução no número de cheques utilizados na economia (remonetização da economia); que a CPMF deslocou as aplicações financeiras dos depósitos a prazo para fundos, e que aumentou o spread bancário.
Em realidade, pelas razões já descritas anteriormente, a CPMF não deveria de fato onerar os mercados financeiros. Se o governo tivesse se utilizado corretamente da proposta original do Imposto Único, não teria feito a CPMF incidir nos mercados financeiro e de capitais, o que faria a crítica atual do Banco Central perder sentido. Não obstante, é forçoso apontar a imprecisão e a fragilidade técnica dos estudos do Banco Central, pois se tenta atribuir à CPMF defeitos e distorções absolutamente preconceituosos, estereotipados, e sem sólido embasamento empírico.
Atribuir a queda no número de cheques emitidos à incidência da CPMF é no mínimo risível. Esta é uma tendência permanente, e pode ser constatada mesmo em períodos nos quais as alíquotas da CPMF permaneceram estáveis. Segundo a Receita Federal o estudo é frágil “porque o modelo desconsidera as verdadeiras variáveis causadoras da diminuição do uso de cheques”.
Salta à vista que o principal nexo causal nesta tendência se prende à gradual expulsão da moeda manual e sua substituição pelas mais variadas formas de moeda escritural, como os cheques, as operações on-line, o uso dos cartões inteligentes, e as transações pela internet.
Mais recentemente, a moeda escritural vem sofrendo enormes transformações tecnológicas. O uso da moeda baseada no manuseio físico do papel (como os cheques) vem sendo rapidamente substituído pela moeda eletrônica, em suas mais variadas expressões, tais como as operações on line, os cartões inteligentes, pagamentos pela Internet e muitas outras. Afirma a Receita Federal que “o próprio Sistema de Pagamentos Brasileiro estimulará ainda mais as transações digitais em tempo real, o que significa que a política do Bacen também busca desincentivar esse instrumento não adaptado à economia digital - o cheque”. Da mesma forma os Bancos desestimulam o uso dos cheques, seja pelos altos custos de serviços cobrados dos clientes seja pela maior segurança e menor custo operacional das transações eletrônicas. Portanto, atribuir à CPMF a queda no uso de cheques é afirmação de total improcedência.
Ademais, a argumentação do Bacen é equivocada. A CPMF, ao onerar a transação bancária poderia estimular o uso da moeda manual, e a remonetização da economia. Além dessas hipóteses não terem sido comprovadas, como foi visto acima, o fenômeno não é corretamente medido pelo cálculo do número de cheques emitidos, e sim pelo valor dos cheques emitidos. Como o uso dos cheques passou a ser cobrado, o valor médio dos cheques pode ter aumentado, o que implicaria mais racionalização deste instrumento oneroso de liquidação de operações. Mesmo com menor número de cheques o volume de transações pode ter aumentado, o que provaria o equívoco da argumentação do Bacen. De fato, conforme se vê na tabela abaixo o volume de cheques compensados nos últimos anos tem se mantido em torno de R$ 1,8 trilhão.
Como se vê as tentativas de Bacen de criticar a CPMF estão equivocadas do ponto de vista conceitual, o que repercute, evidentemente em seus resultados econométricos.
De fato, os modelos apresentados no trabalho do Bacen são estatisticamente precários. Além de especificação equivocada de modelos (usando número e não valor dos cheques como variável dependente nas regressões), os resultados mostram-se estatisticamente pouco significantes. A maior parte dos coeficientes estimados não é significativamente diferente de zero. Os mesmos problemas acham-se presentes no restante do trabalho em apreço. Coeficientes sem validade estatística, e modelos conceituais equivocados. Sem falar nos resultados contraditórios entre os dois estudos do Bacen.
TABELA 9
Número e valor dos cheques compensados no Brasil
O Trabalho para Discussão nº 21 afirma que a base de incidência da CPMF mostra-se altamente elástica em relação às alíquotas, o que explicaria, segundo o autor, as elevadas perdas de peso morto (deadweight losses). Já no Trabalho para Discussão nº 23 se afirma que “a base de arrecadação da CPMF é inelástica com relação a variações de sua alíquota...”. Mas o curioso, é que, embora contraditórios nas relações causais encontradas, ambos os estudos encontraram razões para criticar, em uníssono, a CPMF!
Os absurdos do estudo chegam a ponto de afirmar que o crescimento do agregado monetário M1, basicamente os saldos dos depósitos à vista, aumentaram porque “os movimentos de retiradas e depósitos da conta corrente para realizar aplicações em fundos de curtíssimo prazo são penalizados com a introdução desse tributo”. Ora, é a estabilidade monetária que torna desnecessário o alto giro dos recursos que marcaram o período hiperinflacionário no Brasil. Ademais, o estudo taxa de irracional o comportamento do aplicador que aumenta os seus saldos de depósitos à vista para não pagar 0,38% de CPMF, mas aceita perder rentabilidade mensal sempre superior a 1% a. m ao deixar seus recursos inativos nas contas bancárias. O Bacen ignora o custo de oportunidade dos saldos dos depósitos bancários.
A mesma superficialidade analítica e fragilidade estatística podem ser observadas em todas as demais correlações apresentadas pelo Bacen. Dizer que “a CPMF pode estar induzindo a migração de recursos dos depósitos a prazo para os fundos” é afirmação desprovida de nexo causal. A migração dos recursos é de grande obviedade, quase truísmo inútil, mas que pouco tem a ver com a CPMF.
Como afirma a Receita Federal, “o fato de duas variáveis tenderem a ter sentidos contrários não implica necessariamente em uma relação direta ou indireta entre elas. Ambas podem ser influenciadas por outras variáveis que provocam a forte relação matemática indicada pelo coefiicente de correlação”. Diz o estudo ainda que “a principal vantagem dos fundos de aplicação financeira em relação aos depósitos a prazo é devida aos seguintes fatores: acesso individual ao mercado de capitais; maior rentabilidade; melhor alternativa para o pequeno poupador e a diminuição da exposição aos riscos”. O que o estudo do Bacen aponta é uma evidente correlação espúria.
Finalmente, o estudo nº 23 do Bacen afirma que a CPMF afeta significativamente os spreads bancários. “Piora a situação dos tomadores de empréstimos, dos poupadores e dos bancos, pois aumenta o custo do empréstimo para os primeiros, dimunui a remuneração para os segundos, e reduz o spread para o banco”. O surpreendente nesta afirmação é que ela dá a entender a existência de tributos melhores do que a CPMF, que não onerem os contribuintes, direta ou indiretamente. Se existir algo assim seria bom que o Bacen disso desse imediata publicidade, pois a base do Imposto Único certamente transitaria para esta nova e miraculosa forma de tributação.
Os autores mostram total desconhecimento da microeconomia das negociações bancárias. Trata-se de um oligopsônio, com poucos vendedores de crédito e uma infinidade de compradores. Nestas condições é imaginoso se acreditar a veracidade das afirmações do estudo que diz “o tomador de empréstimos tende a exigir uma menor taxa de empréstimo tendo em vista a necessidade não apenas de honrar os juros cobrados, mas também o ônus tributário. Por outro lado, o aplicador exigirá, além da remuneração normal, um acréscimo decorrente da cobertura dos gastos com o tributo”. Uma análise das elasticidades das funções de demanda e oferta em mercados oligopsônicos rapidamente indicaria quão fantasiosas são essas afirmações, que indicam que o banco ficaria ensandwichado entre os ambiciosos poupadores e os poderosos tomadores de empréstimos!
A Receita Federal finalisa a análise dos estudos do Bacen com uma afirmação forte, mas não surpreeendente. “A resistência da CPMF no mercado financeiro deve-se, em nossa opinião, à possibilidade de que, através das informações geradas pela retenção da contribuição, se acabe com o sigilo bancário do aplicador... o Fisco passa a conhecer toda a movimentação do dinheiro sonegado pelos mais diferentes motivos (caixa dois, drogas, corrupção etc)”.
Para finalizar, cumpre abordar outro tema polêmico no tocante aos impostos sobre movimentação financeira: a produtividade de sua arrecadação.
Ambos os estudos publicados pelo Banco Central mencionam o conceito da Curva de Laffer, pelo qual a elevação da alíquota de qualquer imposto acarreta rendimentos decrescentes em sua receita marginal. Aponta-se, até, a possibilidade de, após ultrapassar o ponto de receita total máxima, a elevação da alíquota nominal de um determinado tributo implicar receita marginal negativa, fazendo a arrecadação total declinar.
Cumpre apontar que, dentro dos parâmetros nos quais a CPMF vem sendo aplicada no Brasil ainda não surgiram evidências acerca da alegada queda na receita marginal do tributo. Pelo contrário, segundo o Fundo Monetário Internacional, impostos sobre movimentação bancária são recomendáveis em situações de fragilidade ou corrosão do aparato arrecadatório dos sistemas tributários convencionais, como pode ser visto na seguinte afirnação: “these new bank debit taxes have been imposed because the transactions on which they fall were viewed as a convenient and effective tax handle, against a background of weak tax administration and, typically, in the face of a difficult fiscal/revenue situation”. Nesse sentido, mesmo que a receita marginal decaia com a elevação das alíquotas, a CPMF é adequada, pois seu potencial de arrecadação situa-se em patamar nitidamente mais elevado do que o obtido com os desgastados tributos declaratórios convencionais.
Segundo a Receita Federal, “a presença de um imposto sobre débitos bancários em um sistema tributário estável implica a existência de um imposto de alta produtividade, a minimização dos custos administrativos totais (e, portanto obtenção de uma receita líquida mais elevada (nota do autor)), a garantia de que a economia informal está sendo alcançada pela tributação, e a adaptação do sistema tributário à nova realidade do comércio e das transações eletrônicas”.
Prossegue a Receita Federal afirmando que a CPMF é um “tributo altamente produtivo, entendido como de alta relação arrecadação/alíquota”, e menciona o estudo do FMI que afirma “in the case of Brazil, in particular, a high revenue yield has been sustained over several years”. Segundo o estudo do FMI, a produtividade da CPMF brasileira, medida pela proporção arrecadação/PIB em relação à alíquota, manteve-se praticamente estável durante o período de sua aplicação, tendo atingido os valores de 4 em 1997, 4,50 em 1998, 3,79 em 1999, e 3,96 em 2000. Trata-se de produtividade alta e sustentada ao longo de quatro anos de vigência.
Isso explica o crescente interesse demonstrado por outros países na experiência brasileira com a aplicação de um tributo sobre débitos bancários em larga escala, e por um longo período de tempo. Em outubro de 1999, a organização Parlamentarians for a Global Action (PGA), com o apoio e o patrocínio da Organização das Nações Unidas promoveu um debate em Nova York, na sede da ONU, para discutir a experiência brasileira com impostos sobre movimentação financeira, com a presença de representantes de mais de 40 países. Na oportunidade apresentei o paper transcrito no Anexo III, e que tenta demonstrar a viabilidade desta nova espécie tributária, principalmente em economias com tradição e éticas tributárias ainda em formação, como é o caso do Brasil.
A cumulatividade e os mercados financeiro e de capitais
A tributação cumulativa sobre transações financeiras gera impactos na formação das taxas de juros, mesmo partindo-se da hipótese de não-tributação dos lançamentos efetuados em nome das instituições financeiras.
Aliás, na minha proposta de Imposto Único, demonstrei que, tratando-se de impostos sobre transações, o reflexo na taxa de juros será tanto maior quanto maior for o giro das aplicações, implicando perda de rentabilidade para os aplicadores, que, para ser compensada, exigiria elevação correspondente na taxa de juros praticada na economia.
Além disso, o alongamento de prazos de aplicação, para torná-la rentável, traduziria injustificada discriminação das operações de curto prazo. Mostrei, igualmente, que os tomadores de empréstimos no sistema financeiro sofreriam elevação de custos, devido ao caráter cumulativo do Imposto Único na captação e repasse dos recursos ao tomador, em função, por sua vez, do número de transações envolvidas.
Por esse motivo introduzi metodologia especifica de cobrança do Imposto Único nas transações financeiras, do mercado de capitais e nas operações em bolsa. Basta que uma operação financeira seja vista como aluguel de capital para perceber que não há como tributar o valor objeto da locação, mas, tão-somente, a remuneração pelos serviços prestados. Assim como um aluguel residencial, o imposto sobre transações devera incidir sobre o valor da locação e não sobre o valor do imóvel locado. Do mesmo modo nas transações financeiras, há que se tributar o rendimento da operação e não o valor do capital que o produziu. Caso contrário, o fato de o impacto de esse tributo ser tão maior quanto menor for o prazo da operação irá encarecer e mesmo inviabilizar operações de curto prazo em bolsa.
Pelo sistema operacional derivado da metodologia por mim apresentada, as operações financeiras seriam realizadas exclusivamente por meio de contas bancárias especiais, à semelhança das contas de poupança. Diferentemente das contas-movimento, as contas especiais somente poderão receber créditos ou débitos de outras contas especiais ou da conta-movimento do mesmo titular. Os créditos nas contas especiais são isentos de tributação. Quando do débito da conta especial a crédito da conta-movimento, o valor transferido sofrerá a tributação automática sobre a parcela correspondente ao ganho real auferido no período em que os recursos aplicados permaneceram nas contas especiais. Uma vez liberado para outros usos na conta-movimento, qualquer lançamento a ela vinculado é onerado pelo imposto sobre transações. Essas observações vêm a propósito da apreensão causada no mercado financeiro e de capitais pela CPMF.
Há temores de que a cobrança desse tributo reduz, drasticamente, a já modesta rentabilidade dos fundos de curto prazo, podendo-se antever fuga em massa desses recursos para os depósitos a vista, onde estarão sujeitos a menor movimentação e, portanto, a menor incidência do imposto. Como resultado, poderá haver efeitos contracionistas da base monetária, decorrentes do recolhimento compulsório ao Banco Central sobre depósitos a vista, cerca de 50% superior ao dos fundos de curto prazo, assim como devido à cobrança da própria CPMF. Com isso, haveria também redução da capacidade do sistema financeiro para emprestar, devido à correspondente redução dos depósitos naqueles fundos, produzindo efeito contracionista adicional.
O problema preocupa também o governo, que teme que a incidência da CPMF sobre aplicações em bolsa possa afugentar os fundos estrangeiros para o exterior, enquanto, nessa mesma linha, a CVM acha que ela vai comprometer a competitividade das bolsas brasileiras, podendo até levar a transferências do centro de liquidez das ações brasileiras para o exterior.
Se a proposta de implantação do Imposto Único tivesse sido levada em conta, ou seus defensores consultados, as temidas distorções apontadas poderiam ter sido previstas e evitadas. Mas, como todo arremedo, a CPMF, a exemplo do IPMF, carrega defeitos graves, que só a improvisação oportunista e desvirtuadora de propostas sérias, tecnicamente fundamentadas, pode explicar.
Mas ainda é tempo de corrigir esses desvios. Pela sistemática operacional integrante da proposta do Imposto Único, inteiramente compatível com a cobrança da CPMF, as transações não seriam gravadas enquanto ocorressem dentro do circuito do mercado financeiro ou de capitais. A tributação ocorreria apenas na transferência dos ganhos reais para a conta movimento dos aplicadores, tornado-se disponíveis para outros usos. Assim, as operações de curto prazo não seriam discriminadas, o tomador de empréstimos bancários não seria tão castigado, ficaria reduzida a possibilidade de migração dos fundos estrangeiros aplicados em bolsa, bem como da transferência do centro de negociação de ações brasileiras para o exterior, para escapar do encargo da CPMF e seus reflexos sobre a rentabilidade dessas operações.
Pois além do ônus de constituir-se em um imposto a mais, com os vícios apontados, a CPMF tende a ampliar as já inaceitáveis contradições do atual sistema tributário, encerando sérios riscos potenciais para a economia brasileira, na delicada conjuntura que atravessa atualmente, de acentuada dependência de recursos externos.
Apesar das críticas, o fato é que o fenômeno de migração das transações em Bolsas para os países centrais é resultado imediato e direto da informatização e globalização dos mercados, o que leva os investidores a preferirem mercados com maior liquidez, como os Estados Unidos. Basta verificar que mesmo em economias onde não existe tributação sobre a movimentação no mercado financeiro e de capitais, como no México, vem sofrendo o mesmo fenômeno de esvaziamento de suas instituições bursáteis.
Não obstante a polêmica e a mensuração dos impactos negativos da CPMF nos mercados financeiros, o fato é que não há racionalidade na atual forma de uso daquela tributação, já que houve desrespeito a um elementar princípio lógico na aplicação de um tributo sobre transações financeiras por parte das autoridades brasileiras.
O resgate da função arrecadatória dos impostos
Criou-se um mito em torno dos impostos cumulativos, que precisa ser desfeito.
Em primeiro lugar, deve ser dito com clareza que nenhum imposto é neutro, seja ele cumulativo ou sobre valor agregado. Todos os impostos possuem vantagens e desvantagens, como é amplamente reconhecido até mesmo pelos críticos dos impostos sobre transações financeiras.
Visões românticas enxergam na cobrança de tributos a expressão do espírito cívico do cidadão cônscio de seus direitos e deveres. Humanitários passaram a acreditar que a única maneira de redistribuir riqueza e renda é através da cobrança punitiva de impostos dos mais eficientes e mais poderosos. Economistas e líderes políticos buscam nos impostos, ou na isenção deles, o caminho para estimular o desenvolvimento econômico. Ecologistas e sanitaristas usam o sistema tributário como forma de proteção do meio ambiente, e de punição para infratores de suas regras conservacionistas. Planejadores urbanos e regionais os utilizam como mecanismos de indução para alcançar objetivos socialmente desejáveis. Agricultores, querem a reforma agrária pela tributação dos latifúndios. Em suma, todos procuram no sistema tributário a solução para seus problemas. Como afirmou Everardo Maciel, “isso serve apenas para demonstrar que o debate sobre matéria tributária pode tomar rumos imprevisíveis, ditados por razões fortuitas ou motivos insondáveis”. .
Infelizmente, dada essa multiplicidade de objetivos e a indeterminação inevitável advinda da existência de maior número de objetivos do que de instrumentos, o sistema tributário acabou perdendo eficácia em sua função essencial: o de arrecadar recursos para financiar as atividades públicas.
Contudo, sabe-se que impostos possuem características extrafiscais, em maior ou menor intensidade. Alguns tributos foram criados com objetivos essencialmente extrafiscais, não-arrecadatórios, como é o caso de impostos de importação, que existem fundamentalmente para serem instrumentos de política industrial e de proteção à produção doméstica. A arrecadação resultante de sua cobrança é objetivo meramente acessório. Outros, como o IPI sobre fumo e bebidas, combinam metas arrecadatórias com objetivos sociais de saúde pública e segurança.
Infelizmente, a visão extrafiscal vem se impondo com tal intensidade sobre os objetivos fiscais, que o sistema tributário brasileiro tornou-se ininteligível, e pouco funcional em sua função precípua. A multiplicidade de objetivos a serem atingidos pelo sistema tributário o tornou altamente complexo, burocratizado, caro, ineficiente, altamente corrupto, e fortemente indutor das mais variadas formas de evasão.
Do ponto de vista fiscal, o importante para o setor público é arrecadar da forma mais eficiente, mais econômica, e mais simples possível. Daí a importância da proposta do Imposto Único como base para a reforma tributária brasileira, ainda que como um imposto cumulativo.
O formalismo teórico, tão grato aos economistas de gabinete, que buscam identificar nos impostos seus impactos alocativos e distributivos com milimétrica precisão, revela-se cada vez mais ilusório, dado que a realidade econômica não se ajusta aos precisos modelos econômicos construídos no campo da alta abstração. Nas palavras de Mangabeira Unger, a visão acadêmica desdobra-se em meio a “ilusões edificantes e tranquilizadoras”. Mas “o mundo é selvagem e obscuro” . Não existe o mundo da competição perfeita.
Na mesma linha e raciocínio, Delfim Netto declara que a ciência econômica deixa a impressão de ser “um corpo de conhecimento progressivo, uma `ciência dura´”. Prossegue o autor, “o que toda essa sofisticação esqueceu, é que ela está apoiada em dois postulados implícitos: 1) que não existe sonegação, isto é, que todo o cidadão é prisioneiro de normas sociais rígidas, que lançam o opróbio sobre o sonegador, e 2) que o recolhimento desses impostos não tem custo, isto é, eles saem direto do livro texto para a caixa do tesouro... Quando se leva em conta a falsidade desses dois postulados, começa-se a duvidar da qualidade das recomendações sugeridas e a ter mais respeito intelectual pelas propostas dos `impostos não declaratórios´ ...”
O resgate do conceito da arrecadação como meta fundamental e prioritária do sistema tributário, encontra respaldo também em dois artigos publicados na Folha de S. Paulo por Roberto Mangabeira Unger.
Em “Impostos e paradoxos”63, o autor confirma a necessidade de se resgatar a função arrecadatória dos impostos, quando afirma, que mesmo impostos indiretos, e porque não cumulativos, podem “gerar muito dinheiro com pouco desarranjo econômico”, ao passo que impostos diretos e progressivos, tão caros aos economistas de gabinete, “como o Imposto de Renda sobre a pessoa física, não produz a receita necessária. Nem pode fazêlo, por enquanto, sem acarretar desincentivos, fugas e evasões devastadoras”. Unger vai além, e diz que o essencial é gerar “dinheiro para o Estado investir no social”.
Em outro artigo de Roberto Mangabeira Unger, intitulado “Reforma tributária(1)” o autor confirma a tese dos defensores do Imposto Único de que a redistribuição de renda “se faz mais pelo do gasto do que pelo lado da estrutura progressiva da arrecadação”, desmistificando assim a tese acadêmica de que a progressividade na arrecadação dos impostos é condição necessária para uma boa reforma tributária.
As conclusões e propostas de Mangabeira Unger sobre a reforma tributária, diferentemente do Imposto Único, desembocam em um sistema composto por impostos sobre consumo, heranças e lucros financeiros. Mas, o fundamental é que as premissas que recolocam o foco da questão tributária na arrecadação, deslocando-o dos efeitos extrafiscais dos impostos, são as mesmas que permitem a defesa tanto do Imposto Único, como do projeto de Mangabeira Unger.
As virtudes da CPMF , ou as vantagens da cumulatividade
A CPMF foi criada como mais um tributo a ser adicionado à parafernália fiscal brasileira. O imposto sobre transações é bom se for único, mas péssimo se for um imposto a mais. O governo deturpou a proposta do Imposto Único sobre Transações. Concebido para ser o imposto básico de todo o sistema fiscal, acabou reduzido ao pouco honroso papel de mais um apêndice da estrutura arrecadatória nacional.
O governo age como o estuprador, que em sua brutalidade só vê o objeto imediato de seu apetite sexual, nada mais. Ignora completamente as virtudes desburocratizantes, moralizantes e desenvolvimentistas do Imposto Único, e o adota exclusivamente por sua alta produtividade do ponto de vista arrecadatório.
Como autor da proposta do Imposto Único, concordo que o antigo IPMF e sua cria, a CPMF, significam o estupro daquela idéia. Em vez de único imposto, acabou travestido em um encargo a mais para sobrecarregar o insuportável ônus fiscal exigido da população.
Porém, mesmo de forma espúria, a CPMF deixa um saldo favorável ao permitir a correta avaliação de um imposto sobre transações financeiras, que é a base para a construção do Imposto Único.
Descritos por seus adversários como odiosos impostos em cascata, a CPMF, e a Cofins, são chamados de tudo que de mais ofensivo pode ser dito a um inocente tributo. Impostos burros, injustos, antiprodução, causadores de despoupança, e prejudiciais às exportações.
Vários analistas políticos, jornalistas econômicos, e principalmente tributaristas e fiscais de impostos, criticam os tributos cumulativos, e não poupam elogios veementes aos “modernos” impostos sobre valor agregado, como o ICMS. Defendem os impostos do tipo IVA como se fossem a oitava maravilha do mundo. Consideram-nos justos, neutros, e eficientes.
O analista novato não poderá evitar a impressão de que, a acreditar no que dizem os adversários da “cascata”, com a eliminação dos tributos cumulativos, tudo estará resolvido na economia brasileira, e que como num passe de mágica, o sistema tributário brasileiro passaria a ser racional, justo, moderno, e eficiente.
Não há nada mais medíocre do que aceitar, sem rigorosa avaliação crítica, os preconceitos e os chavões que estas opiniões expressam. No entanto, a CPMF e sua experiência no Brasil comprovam o lado positivo desse tributo.
É desnecessário enfatizar suas virtudes. Basta considerar que com alíquotas de apenas 0,38% (0,30% durante junho de 2000 e março de 2001), e praticamente sem custos para o governo, arrecadou em 2000 R$ 14,5 bilhões, e cerca de R$ 18 bilhões em 2001. Impostos de alta complexidade e elevados custos operacionais como o IPI e o Imposto de Renda das empresas geraram receitas de apenas R$ 18,8 bilhões e R$ 17,6 bilhões, respectivamente em 2000, e 19,4 bilhões e 17,0 bilhões em 2001.
A CPMF é universal, insonegável, e alcança todos os agentes econômicos, eliminando a iniqüidade dos impostos declaratórios que permitem que alguns contribuintes sejam fortemente onerados, ao passo que os sonegadores e os espertos tenham cargas tributárias individuais sensivelmente mais baixas. Ela pode eliminar a maior aberração do atual sistema tributário, qual seja, as diferenças artificiais de custos de produção causadas pela ampla e generalizada sonegação de impostos no país. A evasão e a sonegação distorcem os padrões de distribuição desejável da carga tributária. Trata-se de distorção econômica mais grave do que a alegada alteração nos preços relativos que um turnover tax, como a CPMF, poderia estar causando na economia brasileira.
A esse respeito, Everardo Maciel afirma que “a literatura de finanças públicas é farta em exemplos de distorções econômicas provocadas por impostos. O que não se ressalta, contudo, é que esses exemplos presumem contexto em que inexiste ou é pouco relevante a sonegação. Essa, entratanto, não é a realidade dos países emergentes. Nesses países, parodiando conhecido aforismo, pode-se dizer que feito o imposto, feita a sonegação”. E prossegue, “ao fim e ao cabo, o que se pretende afirmar é que a sonegação, em países emergentes, é a maior das distorções econômicas produzidas por impostos, de longe superior a qualquer outra”.
No Brasil, o padrão de incidência tributária atual é caótico, imprevisível, devastador, a ponto de poder fazer quebrar uma empresa eficiente que paga seus impostos, e de fazer sobreviver uma ineficiente, que sonega e saqueia seus concorrentes.
A esse respeito o IPEA afirma o que segue. “Os malefícios da tributação cumulativa podem ser classificados em dois grupos: prejuízos à alocação de recursos do país e à competitividade dos produtos nacionais...Os prejuízos se devem ao fato de que esse tipo de tributação altera de forma não-intencional e não-controlável os preços relativos da economia”.
Face a esta afirmação, cabe inverter o argumento, e indagar dos autores do estudo se as alterações dos preços relativos introduzidas por tributos de valor agregado são intencionais e controláveis em ambientes de generalizada sonegação e evasão tributárias como ocorre no Brasil. O que se deve concluir é que os impostos de fácil sonegação, como é o caso dos tributos declaratórios do tipo IVA, certamente geram alterações nãointencionais e não-controláveis nos preços relativos, pois não há nada tão imprevisível e incontrolável como a sonegação.
Tudo mudou no mundo global e informatizado, e não se deve imaginar que os impostos convencionais e ortodoxos gerados na era do papel, dos livros contábeis, das barreiras físicas de transporte e comunicação, do isolacionismo econômico, e da fragmentação política, serão capazes de evitar a generalizada evasão tributária e suas dramáticas conseqüências que surgiram, e se aprofundarão, na esteira de um absurdo conservadorismo tributário. Num país com deficiências de controles, justiça lenta e ineficiente, fiscalização tributária frágil e desprestigiada, e cultura sonegatória enraizada, é fácil perceber a razão de tantas críticas à cumulatividade da CPMF e da Confins: é sempre mais fácil “pagar” tributos sobre o lucro e sobre o valor adicionado, pois embora tenham alíquotas altas, são facilmente manipuláveis pelos delinqüentes tributários.
A CPMF corrige estas anomalias. Ela está sendo usada, com sucesso, para atingir múltiplas finalidades de extrema importância para o equilíbrio fiscal e para a estabilidade da moeda. Mesmo assim, todos a criticam, e insistem em ignorar suas qualidades, principalmente a de aliviar a carga dos impostos convencionais sobre o contribuinte brasileiro. Afinal, se a CPMF não existisse, os impostos convencionais, quase sempre ineficientes e injustos, estariam com alíquotas ainda mais elevadas do que já estão no momento.
Vê-se, portanto, que as críticas à cumulatividade precisam ser melhor e mais profundamente analisadas.
A equidade dos IMF´s
Uma crítica comum na avaliação de impostos sobre movimentação financeira se refere à questão da equidade. A acusação é de que o IMF seria regressivo.
Em realidade, o IMF em sua expressão formal, não é nem progressivo, nem regressivo: é proporcional, na medida em que possua uma única alíquota. Isto significa dizer que para cada transação individual, a alíquota única garantiria uma incidência proporcional ao volume da transação.
Contudo, o que realmente interessa ao economista, é a avaliação da incidência tributária do ponto de vista do conjunto das transações efetuadas pelos indivíduos no mercado. Nesse sentido, o IMF pode possuir uma progressividade natural, inerente ao padrão diferencial de gastos efetuados pelos vários segmentos de renda da população brasileira.
Além disso, a desejada redistribuição mais eqüitativa da Renda Nacional não deve ser buscada apenas na progressividade na arrecadação de tributos, mas sim no impacto final do processo fiscal, composto não só pelo padrão de arrecadação, mas, sobretudo pela forma, progressiva ou regressiva, da composição dos gastos públicos.
O conceito de progressividade tributária vem sendo fortemente contestado por vários estudiosos do tema.
Ives Gandra aponta “a tendência notável das economias européias de principiarem, gradativamente, a substituir a tributação direta, sempre considerada socialmente mais justa, pela tributação indireta, tida por regressiva e anti-social pelos ideólogos da Economia. A a conseqüência mais curiosa desta tendência é que os países que encetam a redução dos tributos diretos têm propiciado o aumento dos investimentos, e o aumento dos investimentos é socialmente mais justo, porque gera desenvolvimento, gera empregos, gera melhores condições sociais, inclusive para o exercício de direitos trabalhistas. Ao contrário, a tributação direta progressiva...termina provocando recessão e inflação,, com desemprego, salários baixos e menor capacidade de diálogo nas reivindicações da classe trabalhadora. A Europa em plena década de 80, decidiu abertamente partir para o abandono das teses ideológicas de justiça social, que são inibidoras de desenvolvimento, e principia a trilhar o caminho das teses práticas da competitividade e concorrência internacional, únicas que são efetivamente justas do ponto de vista comunitário. Esta é a razão pela qual a Comunidade Européia está se voltando para duas ordens de tributos, ou seja, os indiretos, e os sociais, reduzindo paulatinamente os tributos diretos, entre eles o imposto de renda”.
Tratando do mesmo tema, Roberto Campos discorre sobre a questão da equidade no sistema tributário brasileiro. Diz ele, “Nossa ética fiscal foi praticamente destruída. Dizia o grande juiz norte-americano Oliver Wendell Holmes que pagar impostos é comprar civilização. No Brasil, é comprar chateação. O contribuinte tem três percepções:
a) o governo não lhe dá contrapartida minimamente razoável de serviços; b)o sistema fiscal é de extrema complexidade com altos custos burocráticos e três níveis de corrupção; c) o Fisco é globalmente iníquo porque escapam da carga fiscal as entidades governamentais, notoriamente inadimplentes, e toda a economia informal. Apenas o terço da economia representada pelas empresas organizadas do setor privado e pelos assalariados com carteira assinada é contribuinte. Os outros dois terços são delinqüentes. Destarte, a estimada carga fiscal de 24% do PIB, que pareceria razoável em termos mundiais, é escorchante quando aplicada ao PIB do setor privado formal. Sem falar, naturalmente, no imposto inflacionário”.
Roberto Campos prossegue, fazendo uma crítica da excessiva progressividade tributária. “É uma superstição socialista. Todos devem pagar proporcionalmente às suas rendas. Impor aos bem-sucedidos encargos mais que proporcionais é simples confisco, só compreensível se: a) a riqueza fosse um demérito a ser punido e não, como frequentemente ocorre, o resultado de maior diligência e criatividade; b) se o governo fosse um ente puritano, com inquestionáveis prioridades, e não um gastador perdulário. O melhor sistema fiscal não é o que castiga os ricos, mas o que preserva para cada um o máximo de incentivos à sua capacidade produtiva. A “ justiça fiscal” se faz muito mais do lado dos gastos do que do lado da coleta.
A meu ver, características de uma revolução fiscal seriam: 1) um fato gerador suficientemente amplo e simples para elidir a fronteira entre contribuintes e delinqüentes; 2) alíquotas suficientemente baixas para tornar ridícula a engenharia da sonegação; 3) coleta automatizada para tornar dispensáveis as três burocracias do Fisco; e 4) repasse instantâneo aos beneficiários, evitando-se as complicações da indexação dos tributos”, completa o autor.
Mario Henrique Simonsen73 reafirma a mesma preocupação com a excessiva progressividade, e diz: “Hoje os méritos da progressividade são fortemente contestados. Boa parte dos paises desenvolvidos reduziu consideravelmente o número de alíquotas progressivas, assim como a alíquota máxima. E a tendência parece ser a volta ao imposto proporcional, com uma única exceção, o limite de isenção, abaixo do qual o contribuinte é dispensado de qualquer imposto. A queda do mito da progressividade se deve a vários fatores. Primeiro, a distribuição de riqueza promovida pelo governo não é função apenas de um único imposto, mas depende do conjunto dos tributos e sobretudo da composição da despesa pública. Que adianta ter um imposto de renda fortemente progressivo se com ele convivem outros impostos fortemente regressivos? O melhor seria fundi-los num único imposto proporcional ou medianamente progressivo. Por outro lado, para que serve um sistema tributário progressivo se a despesa pública beneficia os ricos muito mais que os pobres? Melhor seria, no caso, que o orçamento encolhesse e que o mercado cuidasse dos conflitos de interesses dos ricos. Na realidade, a grande tarefa distributiva do governo deve ser operacionalizada pela despesa pública, oferecendo educação, saúde e assistência aos mais carentes. Diante disso, desfaz-se pelo menos em grande parte, o encanto da progressividade.
Em segundo lugar, o excesso de progressividade simplesmente desinteressa o contribuinte pelo trabalho e pela assunção de riscos, o que explica a estagnação produzida pelo Welfare State do partido trabalhista inglês em boa hora desmontado pela primeiraministra Margaret Thatcher. Para que trabalhar mais e correr mais riscos se o governo se apropria de 80% dos resultados quando positivos? Na década de 70 descobriu-se o óbvio:
impostos altamentes progressivos geram preguiça.
Em terceitro lugar a progresisvidade cria o incentivo para a transferência de renda fictícia de um contribuinte de alíquota marginal mais alta para outro de alíquota marginal mais baixa. Suponhamos que um indívíduo X, cuja alíquota marginal é de 50%, seja cliente do médico Y, com alíquota marginal de 30% , e admitamos que as despesas médicas, como de costume, sejam dedutíveis da renda tributável. Um cruzeiro a mais de recibo vale 50 centavos para o cliente e custa apenas 30 centavos para o médico. O incentivo natural é um recibo frio do médico para o cliente. Em se tratando de contribuintes cautelosos, o recibo frio será emitido com as devidas precauções. O cliente entregará ao médico um cheque nominativo, e este lhe devolverá cruzeiros em moeda sonante. Esse exemplo de transferência fictícia de renda é apenas um entre milhares num sistema progressivo de impostos – e não há malha fina que seja capaz de evitá-los”.
Sobre o mesmo tema, Roberto Mangabeira Unger vai mais longe, e afirma, que “a curto prazo, e nas condições da maioria das das sociedades contemporâneas, a estrutura progressiva da tributação é irrelevente, quando não é nociva”.
Prossegue Mangabeira Unger, afirmando que “o estudo comparado da tributação e do gasto público revela fato chocante. Há relação quase inversa entre a justiça dos sistemas tributários no papel e o êxito de cada um deles em financiar o gasto social capacitor e igualizador. Onde há mais redistribuição de fato, como na França, a tributação indireta e “injusta” do consumo serve como fonte principal da receita pública. Onde as desigualdades se agravam e o gasto social se restringe como nos Estados Unidos, prevalece a homenagem à progressividade na tributação. (...) Abolir o Imposto de Renda, seja sobre a pessoa física, seja sobre a pessoa jurídica, junto com todos os outros tributos que oneram a produção e o salário e torturam a classe média em nome da “justiça”, há de ser o primeiro passo. O paradoxo que deleita o pensador aborrece o homem prático. Esse é um dos motivos por que a atuação reformadora dos homens práticos costuma surtir efeitos paradoxais. Tanto a vida política quanto a rotina acadêmica desdobram-se em meio a ilusões edificantes e tranquilizadoras. O mundo é salvagem e obscuro. Para enfrentá-lo é preciso estar possuído por alguma paixão que nos leve por fora de nós mesmos e nos coloque nas mãos e clarim que Josué soou diante das muralhas de Jericó. Pensas, leitor, que o dado básico como esse sobre a relação inversa da progressividade na arrecadação e no gasto estaria no centro das atenções dos estudiosos de finanças públicas e direito tributário? Engano. Refugiados em seus aparatos analíticos, poucos se deixam surpreender pela realidade”.
Mas também por questões de eficiência os tributos declaratórios diretos, como o Imposto de Renda, vêm sofrendo pesadas críticas. Em depoimento na Comissão especial da Tributação Cumulativa na Câmara dos Deputados em 2 de abril de 2002, o Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, declarou que “as mudanças extraordinárias que ocorrem em todo o mundo também explicam as grandes diferenças que ocorrem entre as nações. Uma dessas alterações é a globalização, que trouxe mudanças de grande intensidade. Vale lembrar que um terço dos negócios referentes ao comércio internacional ocorre entre as firmas, outro terço refere-se a operações com empresas transnacionais ...Tais fatores demonstram a crescente importância dessas empresas transnacionais que trazem moderna e preocupante questão do futuro do Imposto de Renda das pessoas jurídicas, ou do preço de transferência....Hoje alguns países afirmam que fatores como o preço de transferência apontam para a baixa possibilidade de sobrevivência de tributos como o imposto de renda das pessoas jurídicas no futuro. Comentários freqüentemente suscitados na imprensa, em siminários internacionais e em congressos tributários internacionais apontam para esse fato como algo novo, que leva à revisão dos modelos tributários tradicionais, em sua maioria de extração anglo-saxônica. Fiz esse comentários para poder comentar de forma circunstanciada o modelo brasileiro, que- talvez seja pretencioso dizer- é mais simples.”
A questão que se coloca, enfim, é saber se impostos sobre transações financeiras são justos. As evidências apresentadas neste trabalho apontam para a inequívoca vantagem dos IMF´s relativamente aos tributos convencionais, visto se tratar de uma espécie tributária incompatível com a crescente tendência à perda de eficácia arrecadatória dos tributos declaratórios, já que estes últimos induzem e estimulam fortemente a evasão, e consequentemente tornam-se crescentemente iníquos, além de implicarem altos custos operacionais.
A definição de alíquotas em IMF´s
Contudo, se as críticas à CPMF nos mercados financeiro e de capitais é procedente, e justificam a publicação de trabalhos demonstrando tal fato, não há serenidade e isenção nas críticas dos estudos do Banco Central quanto aos impactos da CPMF na economia em geral. Como vimos acima, as conclusões apresentadas não são sólidas, demonstram grande parcialidade nas premissas, utilizam-se de raciocínios falaciosos, de evidências quantitativas frágeis, resultados espúrios, abundância de chavões, e presença de sofismas inaceitáveis em estudo que pretenda utilizar o método científico. Apesar dos aparatosos métodos estatísticos e quantitativos utilizados, o leitor bem informado não pode deixar de sentir que prevaleceu o preconceito e o desejo de chegar a um resultado que, a priori, decidiu-se que seria atingido.
Ainda que a produtividade da CPMF brasileira tenha se mantida alta e estável, os adversários desta forma de tributação insistem em dizer que 0,38% é o nível máximo suportável, e advertem que qualquer elevação de alíquotas inevitavelmente implicaria forte elevação da elisão, sonegação (ainda que difícil) e que, portanto a base de imposição deste tributo seria fortemente reduzida .
O estudo da Receita Federal admite que “a curva de Laffer existe não apenas para a CPMF, mas para qualquer imposto: é natural se esperar que, a cada ponto percentual de aumento de alíquota, a arrecadação marginal irá cair. Está aí o exercício de calibragem de política tributária, e pelo visto a experiência brasileira tem sido bem sucedida...”.
Em realidade, a determinação da alíquota capaz de maximizar a arrecadação da CPMF ainda está muito acima do atual patamar de 0,38%, possivelmente num múltiplo de mais de dez vezes sua atual alíquota. Tal fato, se comprovado, significa importante apoio à tese da aplicação de um imposto sobre movimentação financeira como um Imposto Único.
A determinação do ponto além do qual a elevação da alíquota implica receita marginal decrescente, ou negativa, depende criticamente das vantagens e benefícios que o moderno sistema bancário oferece aos seus clientes. A única forma de evitar a incidência do imposto sobre movimentação financeira é a cessação do uso do sistema bancário como método de liquidação de transações econômicas. Em outras palavras, a base de incidência da CPMF apenas sofrerá descréscimo se as pessoas deixarem de usar o sistema bancário para efetuarem seus pagamentos, e passarem a substituir a moeda escritural bancária pela ultrapassada e prehistórica moeda manual, ou seja, se houver um processo de remonetização da economia, acompanhada por um processo de desintermediação bancária.
Em realidade, a ocorrência do fenômeno dependerá criticamente da relação custo benefício entre a economia tributária do uso da moeda manual (que equivale à alíquota nominal do imposto) e o acréscimo no custo de transação causado pela transação efetuada por intermédio da moeda manual.
É fácil verificar que nas sociedades modernas, integradas e globalizadas, a remonetização da economia é uma possibilidade apenas teórica. Seria inconcebível que em economias modernas, onde as compras e vendas são efetuadas de forma global, e cada vez mais comumente de forma eletrônica, exista a mais remota possibilidade dos pagamentos voltarem a ser efetuados em pessoa, com moeda manual. Os custos seriam astronômicos, e implicariam a virtual destruição da economia moderna.
Como imaginar que os pagamentos de todas as compras e vendas, realizadas em todas as praças do planeta sejam feitas com dinheiro vivo? Compensaria a qualquer pessoa fazer os pagamentos de seus fornecedores e prestações nos guichês dos estabelecimentos comerciais para economizar a atual CPMF, 0,38 do valor da transação? Qual seria o custo da opção do pagamento em espécie?
Segurança, deslocamento físico, transaporte de numerário, custo de oportunidade do tempo dedicado ao pagamento manual, e muitos outros custos, implicariam ônus significativamente mais elevados do que a economia tributária propiciada por esta absurda opção. Em realidade, seria a negação de todas as conquistas da era comtemporânea, e o retorno à pré-história econômica. Difícil imaginar, portanto, que este cenário possa acontecer a partir da elevação da alíquota da CPMF.
Mas ainda resta a questão de saber qual seria a alíquota suportável de um imposto sobre movimentação financeira.
A resposta teórica implicaria dizer que a alíquota-teto seria a diferença entre os custos da transação com moeda manual relativamente ao pagamento via sistema bancário. Ou seja, a alíquota teria que ser igual ou superior ao valor máximo que os clientes dos bancos estariam dispostos a pagar para ter acesso à redução dos custos de transação proporcionada pelo uso do sistema bancário. Apenas como um exercício teórico, poder-seia afirmar que numa economia competitiva perfeita, na qual o preço de um serviço equivale ao seu benefício marginal, a arrecadação-teto da CPMF seria equivalente à participação do sistema bancário na formação da Renda Nacional.
No Brasil, durante o período inflacionário, o sistema bancário chegou a cerca de 13% do PIB. Hoje se encontra no patamar de 10% do PIB. Desta forma, poder-se-ia afirmar que a alíquota à qual a receita marginal do imposto torna-se negativa seria 10%.
Como evidência de que a atual alíquota da CPMF ainda está muito aquém dos valores críticos em termos de manutenção de seu atual nível de produtividade, cumpre apontar dois fatos importantes, observados na realidade da economia moderna.
Em primeiro lugar, o dinheiro digital, ou o pagamento eletrônico.
Segundo matéria publicada na revista Information Week
(www.informationweek.com.br) “nos Estados Unidos, os sistemas de pagamento por email agora não apenas enviam dinheiro para amigos e família, mas também para comerciantes online, compradores e vendedores, em âmbito global”. Nesse sistema, os clientes enviam email como se fossem cheques de seu talão eletrônico.
O mais supreendente é o custo desses serviços. Segundo pode ser conferido nos sites de uma dessas empresas, a PayPal, (www.paypal.com ) o serviço é gratuito para os remetentes. Para os destinatários há uma taxa fixa de trinta centavos mais 2,2% do valor recebido. No caso de pagamentos no mercado de empresas, o custo pode chegar a 2,9% do valor da transação. Em alguns casos, o custo pode atingir 3,5%.
Cumpre apontar que mesmo com com as taxas atuais “a cada dois dias a PayPal consegue acrescentar 50 mil novos usuários à sua base de clientes”. Isto é evidência inequívoca do alto valor que os clientes atribuem aos serviços bancários e informatizados das economias modernas. Mostra também, de forma bastante convincente, o amplo espaço para o aumento das alíquotas da CPMF, e seu enorme potencial para se transformar em base de um modelo tributário baseado na proposta do Imposto Único. Fica claro ainda que as alegações de que os 0,38% é o limite superior da CPMF, acima do qual ocorreria ampla fuga do sistema bancário, é afirmação destituída de qualquer validade. Trata-se, em realidade, de mero terrorismo econômico, que não encontra respaldo na realidade do mundo moderno.
Outra evidência na mesma direção acha-se próxima a nós, no sistema bancário brasileiro. Uma avaliação da utilidade marginal dos serviços bancários no Brasil é dada pelas taxas cobrados pelos Bancos.
Estudo realizado pela ANEFAC, Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração, e Contabilidade, realizada no período março-maio de 2000, avalia os custos dos serviços bancários no Brasil. O supreendente neste trabalho é mostrar que eles representam valores várias vezes superiores à CPMF, em termos de equivalentes sobre a movimentação bancária dos clientes dos bancos brasileiros. Em outras palavras, este estudo mostra não ser verdade que haveria inevitável fuga bancária caso as alíquotas da CPMF fossem elevadas acima dos atuais 0,38%.
A tabela 10 mostra que no caso de empresas, os serviços bancários chegam a 1,43% do valor do faturamento mensal. Como este último conceito pode ser considerado equivalente à movimentação bancária (estamos supondo que a velocidade de circulação bancária do faturamento das empresas é igual á unidade, ou seja, o faturamento das empresas é depositado e sacado no sistema bancário apenas uma vez) fica claro que não há fuga bancária mesmo que a movimentação financeira seja onerada em até 1,43% apenas para a cobertura das taxas de serviços bancários.
TABELA 10
Custo para empresas com serviços bancários em relação ao faturamento no Brasil
No caso das pessoas físicas, as evidências são igualmente convincentes. A tabela 11 mostra a renda mensal equivalente necessária para fazer com que as taxas bancárias cobradas da clientela sejam equivalentes à cobrança da CPMF com a alíquota de 0,38%.
Como se vê, no limite inferior a renda mensal deve ser de R$ 17 116,00 e no limite superior atinge R$ 40 706,00. Como estes valores estão todos acima do 97º percentil na distribuição de renda no Brasil, fica evidente que existe amplo espaço para a elevação das alíquotas da CPMF antes que as mesmas resultem em arrecadação marginal decrescente.
TABELA 11
Renda anual necessária para gerar arrecadação de CPMF equivalente às taxas de serviços bancários
Fica claro, portanto, que há evidências plenamente convincentes de que as alíquotas da CPMF podem ser significativamente elevadas sem causar desintermediação bancária, ou remonetização da economia. As evidências são de que o Imposto Único com base em um imposto sobre transações bancárias é totalmente viável, mormente considerando-se que o aumento das alíquotas ocorrerá concomitantemente à eliminação dos tributos convencionais, não significando, portanto, qualquer aumento da carga tributária. A este propósito, vale apontar que se trata de opção aceitável pelos contribuintes. Everardo Maciel apontou que “se perguntássemos a qualquer contribuinte brasileiro se quer uma tributação de 30% em regime de valor agregado ou uma tributação de 2% em regime de cascata, não tenho a menor dúvida qual seria a resposta”.
Pelo contrário, considerando-se, como afirma a Receita Federal, que este tributo não exigiria qualquer burocracia fiscal (como emissão de Notas Fiscais, papéis, declarações e outras informações normalmente exigidas dos impostos ortodoxos) a relação custo benefício deste novo modelo tributário seria bastante favorável. “Sua arrecadação ocorre sem, praticamente, nenhum custo operacional para a administração tributária e para o contribuinte”, e assim permitiria antever uma redução da máquina pública com a conseqüente redução da carga tributária a ser extraída do setor privado.
Argentina: uma experiência de sucesso com o IMF
Uma das mais freqüentes críticas à tributação sobre transações financeiras no Brasil se reporta à sua aplicação na Argentina a partir de 1984. A alegação usualmente veiculada é de que a aplicação do imposto sobre débitos bancários naquele país teria sido um absoluto fracasso. O funcionamento daquele tributo na Argentina marcou o imaginário popular com estórias de desintermediação bancária que se tornaram folclore na diatribe contra a cumulatividade.
Em realidade, o insucesso da experiência argentina na década de 80 nada tem a ver com a desintermediação bancária, mas sim com políticas econômicas equivocadas adotadas durante aquele período.
Em 1993, um grupo composto pelos deputados Roberto Campos, Luis Roberto Ponte e Flávio Rocha, pelos economistas Daniel Dantas, Pedro Bodin, Luis Zottman e por mim esteve na Argentina para encontros com economistas, banqueiros, com o ministro Cavallo e seu secretário de receita, além de empresários. O que este grupo verificou foram fatos muito diferentes dos usualmente relatados.
O imposto sobre débitos bancários na Argentina teve varias fases. Foi inicialmente um tributo provisório e de baixa arrecadação. Mas se transformou em importante coadjuvante no ajuste fiscal realizado naquela economia, até sua extinção em julho de 1992.
O ministro Cavallo, que aumentou sua alíquota para 1,2%, atribuiu ao imposto papel de fundamental importância no esforço de estabilização. Chegou a arrecadar US$ 1,8 bilhão, ou 1,27% do PIB. Superou todos os demais impostos cobrados na Argentina, exceto o imposto sobre valor agregado (US$ 7,2 bilhões) e o imposto sobre combustíveis (US$ 2,7 bilhões).
Sua extinção deveu-se exclusivamente a sua incompatibilidade com o modelo tributário ortodoxo que foi implantado naquele país. De fato, o imposto sobre transações não se coaduna com a estrutura tributária tradicional, da mesma forma que também não se coaduna com as intenções do atual governo brasileiro de implantar o IPMF como um apêndice da atual parafernália tributária brasileira. Como afirma Roberto Campos, o uso do imposto sobre movimentação bancária “só seria revolucionária se o imposto fosse único, e não um imposto a mais” .
O grande esforço do governo argentino se concentrou na implantação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Com a portentosa fé dos recém-convertidos, avançou-se rapidamente na universalização do IVA, ainda que com imensos custos burocráticos e com um clima repressivo que beirou o nazismo fiscal.
No Brasil, já trilhamos o mesmo caminho desde meados da década de 60, quando Roberto Campos implantou o IVA pioneiramente em todo o mundo. Nestes últimos 30 anos, contudo, confirmaram-se amplamente as inconveniências e os elevados custos dos impostos declaratórios. Perdemos a inocência tributária e a fé desvaneceu.
Hoje, voltamo-nos para os impostos automáticos, não-declaratórios, produtos da era da informática, mais justos, mais baratos e mais eficientes, ainda que mais ousados, atrevidos, e polêmicos.
No Brasil, um imposto sobre transações encontra justificativa não só como potente tributo de estabilização, mas também como a base de uma nova estrutura tributária, a exemplo do projeto do Imposto Único e da proposta do deputado Luis Roberto Ponte, de impostos não-declaratórios.80 A experiência dos Impostos sobre Débitos Bancários da Argentina confirma a viabilidade destes novos modelos tributários.
Alegam os críticos do imposto sobre transações que o imposto sobre débitos naquele país teria sido o causador de intensa desintermediação financeira. A elevação das alíquotas aparentemente motivou a perda de transações bancarias e por conseqüência, o aumento das transações em moeda (austrais ou dólares). Teria havido intensa erosão da base de tributação, além de aumento de custos de transação e perda de competitividade para bancos e para os agentes econômicos em geral.
Desta forma, continuam os críticos, a eliminação daquele tributo foi imposição do bom senso e a experiência argentina não recomendaria sua implantação no Brasil. Esta correlação, contudo, é espúria, pelas razões que seguem.
Cabe apontar inicialmente que o Brasil possui condições estruturais mais propícias a impostos sobre transações do que a Argentina. Mesmo em sua fase inicial quando a alíquota era de 0,1% ou 0,2% e quando, portanto, não houve tentativa de evasão do tributo, estava implícita uma relação transações bancarias/ PIB de 2,5. No Brasil, esta relação é significativamente mais alta, de aproximadamente 4 de acordo com os dados da arrecadação da CPMF, e superior a 10, como vimos acima, e também segundo as estimativas apresentadas por proponentes do Imposto Único em outros trabalhos.
Em outras palavras, utilizam-se os bancos no Brasil com muito mais intensidade do que na Argentina. De fato, o cheque é pouco usado naquele país. Cheques não são utilizados pelas pessoas físicas ou pelo comércio. O sistema bancário ainda é pouco informatizado e não existe uma câmara nacional de compensação como no Brasil. Os custos são elevados e os cheques têm pouca credibilidade como meio de pagamento.
Ademais, a defeituosa regulamentação do imposto sobre débitos na Argentina permitiu a corrosão da base de incidência. Apenas os cheques eram tributados, excluindose outros tipos de lançamentos bancários, como cobranças (contas de recadaución), transferências em conta, depósitos a prazo e endossos. Havia alíquotas diferenciadas, e grande número de isenções e imunidades. Estes desvios foram paulatinamente eliminados, mas a evasão foi intensa durante a maior parte da vigência do imposto, levando a relação transações bancarias/ PIB a cerca de 1,2 em 1991.
Cumpre dizer que esta queda deveu-se, sobretudo, a fatores independentes do imposto sobre débitos. Entre 1988 e 1991, a Argentina sofreu enorme instabilidade e dois surtos hiperinflacionários. Neste período, os depósitos bancários à vista rendiam juros fortemente negativos, pois que tabelados, causando migração de recursos a prazo (nãotributados) para os mercados informais de aplicações overnight.
Estes últimos funcionavam como bancas de jogos do bicho no Brasil, na base da estrita confiança. Pessoas físicas ainda convertiam seus rendimentos em austrais para dólares com perdas que chegaram a até 4%, numa clara demonstração da perda de competitividade das aplicações bancarias e de como há margem para o aumento de alíquotas de imposto sobre transações em sistema bancários confiáveis. Nestas circunstâncias, não há como atribuir a evasão bancária ao imposto sobre débitos.
A lição que a experiência argentina nos ensina é tripla. Primeira: há que se produzir uma regulamentação competente. Segunda: o Brasil possui condições estruturais que nos permitem antever grande sucesso com imposto sobre transações bancaria. Terceira: trata-se de um imposto ágil, de custo baixíssimo (como reconhecido pelos próprios banqueiros argentinos) e que não suscitou reação contraria da população.
TABELA 12
Imposto sobre débitos bancários na Argentina