Em entrevista à Folha, o ministro da Economia investiu precipitadamente contra a proposta do imposto único sobre transações. "Não dá para reinventar a roda. Se fosse uma ideia tão brilhante, já teria sido adotada". Mas o consolo veio logo a seguir. O ministro desautorizou sua própria opinião ao afirmar: "Eu não estudei a proposta".
O imposto único sobre transações é um projeto novo, mas composto de dois conceitos antigos. A unicidade tributária tem uma longa e respeitável tradição na literatura econômica, remontando a alguns séculos. E uma transação econômica como base de tributação é banal. Vide o IOF. Contudo, a conjugação desses dois princípios nunca foi concretizada. Não por falta de brilho. Apenas por impossibilidade técnica.
No passado, as transações se realizavam preponderantemente mediante a apresentação de moeda manual. Isto tornava infactível a coleta do tributo, salvo se cada pagamento/recebimento fosse realizado frente a um fiscal.
A impossibilidade do uso da transação econômica como fato gerador de um tributo único forçou a utilização de bases bem menos abrangentes, como o comércio exterior, a circulação de mercadorias, o patrimônio, a renda etc. Nenhuma delas, isoladamente, teria a abrangência necessária para produzir a arrecadação pública desejada, dada uma alíquota tributária aceitável. Daí a tendência de se caminhar em direção à multiplicidade de impostos, para permitir alíquotas marginais mais baixas, e portanto menos perversas do ponto de vista da eficiência alocativa.
Hoje, a centralização espontânea das transações no sistema bancário permite que o imposto seja automaticamente coletado nos lançamentos de débitos e créditos de moeda escritural.
Como se vê, a viabilidade do imposto único sobre transações decorre de conquistas de natureza institucional e tecnológica: a notável permeabilidade do sistema bancário e o desenvolvimento da informática.
Tem-se, portanto, a mais ampla de todas as bases tributárias em economias de mercado - a transação econômica - acoplada à viabilidade de arrecadação automatizada, e mediante a aplicação de uma alíquota marginal baixa. Um imposto moderno, com velhas raízes.
"Se fosse uma ideia tão brilhante já teria sido adotada". Se o critério para se avaliar os méritos de uma proposta fosse sua adoção prévia, poder-se-ia imaginar, parafraseando o ministro, que rodas quadradas ainda estariam em uso.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 45, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor de economia da Folha.