Por quase todos os lados que se analise a atual conjuntura econômica brasileira, e em flagrante contraste com o setor privado, nota-se a presença do setor público, não como um segmento adaptado às circunstâncias geradas a partir do Plano Cruzado, mas antes, como um empecilho à realização das metas programadas pelo próprio governo.
O ajustamento da demanda é uma providência indispensável para possibilitar não somente o descongelamento não traumático dos preços, mas também para viabilizar a poupança necessária aos investimentos imprescindíveis à sustentação das taxas históricas de crescimento em torno de 6% ao ano. Contudo, as necessidades de financiamento do setor público continuam elevadas, estimando-se que possam chegar a 5% do PIB em 1986. Para o ano seguinte, as projeções embutidas no Orçamento da União indicam um déficit de 2,5% do PIB; somando-se os eventuais desequilíbrios das empresas estatais, bem como os gastos fiscais do Banco Central, possivelmente se chegue em 1987 aos mesmos resultados deste ano, mantendo-se sobre a estrutura produtiva do país as mesmas pressões hoje existentes. Como o setor público não se ajusta, resta ao setor privado, incluindo-se aqui não somente as empresas, mas também e principalmente o assalariado que é mais facilmente tributado, arcar com o ônus de aumentos na carga tributária brasileira que se tornem necessários.
Também a relação entre consumo e investimentos acha-se distorcida. Os níveis de poupança acham-se deprimidos face às necessidades de formação de capital. Entretanto, uma política monetária mais ativa, que permita a elevação das taxas de juros e incentive a contenção do consumo, encontra fortes barreiras nos efeitos que teriam no serviço da dívida pública. A alternativa adotada pelo Banco Central de aliviar a tributação nas aplicações de "longo prazo" terá impacto limitado, pois o ajuste se dará nas taxas brutas, mantendo as taxas líquidas praticamente iguais, em decorrência da diminuta distinção no perfil temporal entre aplicações curtas e longas. O efeito final, como já ocorreu logo após a decisão do Conselho Monetário Nacional na quinta-feira, será a queda nas taxas de juros, neutralizando o efeito positivo que a menor taxação poderia ter nos fluxos de poupança.
Também no setor produtivo, a presença do governo é origem de profundos desajustes. Os elevados níveis de endividamento das empresas estatais inviabilizaram financeiramente setores como a siderurgia e o de energia elétrica, fazendo com que a manutenção do congelamento de preços signifique crescentes prejuízos operacionais, comprometendo a capacidade de investir desses setores.
Tal qual aconteceu em relação ao ajuste externo ocorrido nos primeiros anos da década de 80, o setor privado mostra ter se adequado às exigências da política econômica em curso; e da mesma forma que antes, o pesado aparato público se vê impossibilitado de contribuir para o equacionamento dos principais problemas da economia brasileira.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, Ph.D. em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo e consultor de Economia desta Folha.