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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

O faz-de-conta da revisão constitucional

A reforma tributária deveria receber prioridade absoluta na revisão constitucional. No entanto, tudo indica que pouco será mudado, e isso se deduz da leitura da proposta publicada pela Folha no último dia 14, do deputado José Serra (PSDB-SP), um dos influentes debatedores das questões fiscais no Congresso e um dos autores do capítulo tributário da atual Constituição brasileira.


A proposta deixa claro desde o início que não pretende inovar, mas apenas melhorar o sistema tributário atual. E de fato, não inova. Quanto a melhorar, restam dúvidas. Reduz o número de impostos atuais e cria um novo. A União fica com três: comércio exterior, Imposto de Renda e IOF. Os Estados ficam apenas com o IPVA, e os municípios, com o IPTU-ITR, o ITBI e o ISS. O ICMS passa a ser um imposto compartilhado entre a União e os Estados. As contribuições sociais continuam com o governo federal.


Sob o aspecto de simplicidade, redução das obrigações acessórias e eliminação da burocracia tributária, a proposta de Serra é pobre. Na realidade, a única diferença importante em relação ao sistema atual é a eliminação do IPI. Os principais impostos continuam existindo sem alterações. É o caso do IRPF, IRPJ, do IPTU, do IPVA e do ISS. O ICMS terá suas alíquotas elevadas, pois será cobrado simultaneamente pelos Estados e pelo governo federal. O federal cobrará o ICMS com alíquotas mais elevadas — uma alíquota adicional incidente sobre a base do imposto estadual —, abatendo o que for recolhido aos tesouros estaduais.


Aparentemente, será o mesmo ICMS de hoje, só que com alíquotas mais altas (a proposta não especifica o aumento) e com duas estruturas de fiscalização. Hoje já é fortemente evadido. As alterações propostas deverão agravar esses defeitos. Não será simples a tarefa de distinguir insumos de bens finais para introduzir o IVA-Consumo. Exigirá mais alguns parâmetros de códigos e regulamentos. A não incidência sobre bens de capital, sobre bens primários e semimanufaturados e a extinção do IPI deverão implicar uma elevação das alíquotas do ICMS. Será necessário arrecadar adicionalmente o equivalente ao atual IPI, com o agravante de incidência sobre uma base significativamente menor.


A proposta cria um novo imposto, o imposto único sobre exportações. Infelizmente, o autor não especifica que tipo de imposto será esse. Diz apenas que nenhum outro poderá incidir sobre produtos exportados, inclusive o ICMS, direta ou indiretamente. Mas como pretende desonerar de tributos os insumos utilizados nos bens exportados? Produtos primários e semielaborados serão isentos do ICMS, mas sabe-se que a cadeia de produção para exportação é complexa e inclui insumos totalmente industrializados. A proposta contribui pouco para resolver os problemas tributários do país e permite o risco de ser um grande fiasco.


Além da questão tributária, outros pontos polêmicos da atual Constituição exigem profundas alterações. Não obstante, o calendário dos trabalhos é curto, espremido entre a CPI do Orçamento e o início da campanha eleitoral em abril. Mais preocupante ainda é a composição da assembleia revisional. Os membros do Congresso são políticos em fase pré-eleitoral, o que no mínimo compromete a isenção e o desprendimento pessoal que deveriam presidir tão importante atividade. Melhor seria adiar a revisão para depois das eleições e convocar uma assembleia exclusivamente constituinte, a ser dissolvida após a conclusão dos trabalhos.


A imprensa revela que a reforma deve começar pelos temas políticos consensuais, como a redução do mandato presidencial. Também se discute a flexibilização das regras de desincompatibilização, o que permitiria aos ocupantes de cargos no Executivo disputarem eleições sem renunciarem a suas posições atuais. Como se vê, não são os temas de interesse da sociedade que merecem prioridade, mas sim aqueles que afetam diretamente os projetos eleitorais dos partidos políticos. Da forma como as coisas caminham, a revisão será superficial e casuística. Depois de concluída, as mudanças serão quase impossíveis de serem concretizadas, pois exigirão aprovação bicameral de três quintos das duas casas parlamentares.


Marcos Cintra Calvacanti de Albuquerque, 48 anos, doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA), é vereador da cidade de São Paulo pelo PL e professor titular da Fundação Getulio Vargas (SP). Foi secretário do Planejamento e de Privatização e Parceria do Município de São Paulo na administração de Paulo Maluf.

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