Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque
A divulgação do Plano de Consistência Macroeconômica numa versão preliminar, mas bastante próxima da definitiva, mostra toda a dimensão do esforço feito pela atual equipe econômica no sentido de definir rumos para a economia brasileira. O documento é longo, detalhado e contém dados e informações sobre praticamente todas as variáveis de interesse na formulação de política econômica.
A leitura do programa deixa claro que, se existirem condições para sua implementação, tornar-se-á possível a concretização de um processo de crescimento equilibrado dentro de um contexto de preços estáveis. Faltam detalhes acerca de uma política industrial, de uma ampla reestruturação tributária e de outras reformas de base. Mas os objetivos do plano são apenas aqueles necessários para estabilizar a economia e dar início a uma nova trajetória de crescimento.
O documento não está isento de críticas. Não são divulgadas as metas de inflação (implícitas nas projeções constantes do programa), o que mostra que nem mesmo o governo quer arriscar. Mas esta é justamente a questão central, e mais cedo ou mais tarde elas terão de ser explicitadas.
Fala-se em recuperação acentuada da carga tributária líquida (de 10% para 14%), ênfase na redução das receitas e dos custos do serviço da dívida, mas se tenta minimizar a parte amarga da terapia, que será a provável elevação da carga bruta, ou seja, impostos, como será mostrado no plano, mostra que se pretende adiante. Anunciam-se metas ambiciosas de crescimento das exportações, o investimento crescerá de 19,5% do PIB para quase 20% em 1991: os investimentos públicos não crescerão relativamente ao produto interno e todo o ajuste será feito pelo setor privado. Os gastos correntes do governo cairão de 10% do PIB para menos de 9%, abrindo espaço para o aumento da poupança do governo (que hoje não existe) para mais de 5% do PIB. Como a poupança do setor privado e das estatais permanecerá constante em cerca de 18% do PIB, nota-se claramente a necessidade de uma contração nas taxas de consumo para tornar possível a elevação das receitas públicas e a recuperação da poupança do governo (notar que a poupança externa permanecerá em cerca de 1% do PIB). De fato, o consumo privado deverá cair de 68% para 65% do PIB. Moral da história: o setor privado arcará com o custo do ajuste.
No entanto, mesmo que existam falhas no varejo, o plano acerta no atacado. Há quem o acuse de ser conservador, ortodoxo, "como os do tempo do Delfim". Em primeiro lugar, gostaria de ver demonstrada a existência de outra racionalidade econômica em sociedades capitalistas. E além disso, aplica-se uma política, que é evidentemente contracionista, numa conjuntura que estava totalmente desequilibrada pelo excesso de demanda face a uma oferta com grandes limitações para se expandir.
Desta forma, os custos sociais da atual política em nada serão parecidos com aqueles sofridos nos primeiros anos da década. Pelo contrário, o mérito do plano é justamente demonstrar que, com a correta dosagem no uso dos instrumentos disponíveis, será possível ajustar a economia sem a necessidade de uma recessão.
De fato, há um esforço de compatibilização de três metas: manter o crescimento, reduzir a inflação e eliminar o estrangulamento externo. Para tanto, prevê-se importantes alterações estruturais na economia brasileira.
A análise das projeções contidas no "cenário macroeconômico" proposto...
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.