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Marcos Cintra

Pela mudança de índice de inflação

Depois dos clamores de apoio ao governo baseados nos "tem que dar certo", "vai dar certo" e outras expressões de voluntarismo econômico, o novo tema dos debates e discussões passou a ser "como fazer para salvar" o Cruzado.


A profusão de propostas, boatos e sugestões de como deve ser montada a estratégia de salvamento demonstra que quase todos os setores da economia necessitam de ajustes e que o plano de estabilização foi - e continua sendo - uma camisa-de-força, cujo uso prolongado inevitavelmente deformará o sistema produtivo do país.


Na realidade, a maioria dos problemas atuais não foi causada diretamente pelo Plano Cruzado - foram apenas agravados pelo imobilismo após as medidas de choque. A necessidade de administrar a demanda, controlar o déficit público e retomar os investimentos na ampliação da capacidade produtiva são todas questões que já vinham germinando desde a retomada do crescimento econômico em 1984. O Plano Cruzado apenas criou condições para que essas questões aflorassem com maior intensidade. Nesse sentido, são decisões rotineiras de política econômica que o governo deveria tomar mesmo sem o Cruzado, já que o ministro Funaro vinha imprimindo à sua gestão uma característica nitidamente desenvolvimentista. Contudo, dada essa visão que ele e seus auxiliares detêm acerca dos mecanismos de funcionamento do mercado, possivelmente teriam agido com a mesma displicência - ou complacência - mesmo na ausência do Plano Cruzado.


Já o congelamento de preços e a questão de como iniciar o descongelamento, obviamente, só surgem como problemas a partir do choque heterodoxo. Trata-se, possivelmente, da questão crucial na atual conjuntura, pois sua resolução facilitará o tratamento a ser dado aos demais problemas.


Ao flexibilizar preços - o melhor seria conceder reajustes administrados, porém manter a cesta básica sob estrito congelamento - haverá uma reação ascendente do nível geral de preços. Isso, por sua vez, poderá, entre outras formas, pelo gatilho salarial, detonar a espiral salários-preços. Desta maneira, torna-se imprescindível o isolamento desses efeitos. Uma opção para solucionar o impasse seria a alteração do indicador de inflação, que passaria a refletir apenas a elevação de preços nos produtos consumidos pelas famílias de até cinco salários-mínimos de renda. Esta proposta se justifica pelas seguintes razões:


  1. Seria beneficiado um segmento populacional que engloba cerca de 70% das famílias brasileiras.

  2. Supondo-se a continuidade do congelamento dos produtos básicos, a proposta não implicaria qualquer arrocho salarial para aquela população.

  3. Seria preservado o "gatilho salarial", cuja eliminação, além de ser uma questão delicada do ponto de vista político, efetivamente seria um retrocesso na orientação social que o governo pretende imprimir à sua política econômica.

  4. A flexibilização dos demais preços poderia amenizar a necessidade de elevar a arrecadação tributária, já que o aumento dos preços (exceto da cesta básica) iniciaria um processo de contenção da demanda.

  5. As margens de lucro empresariais poderiam ser recompostas (onde necessárias) por um "mix" adequado de produtos alguns tabelados, e outros com preços reajustados.

  6. Se, no futuro, a continuidade de congelamento dos preços básicos se mostrar desejável, poderia ser implementado um programa de auxílio alimentar, tipo o "food-stamps" que existe nos EUA.

  7. A situação não será prejudicial à classe média, como muitos imaginariam, uma vez que esta tem mecanismos de barganha nas negociações salariais de defesa - entre outros, maior poder de mercado, principalmente numa conjuntura de mercados aquecidos.

Vale lembrar que estas medidas não resolveriam todos os problemas do Cruzado, mas caminhariam no sentido de atenuar um dos mais importantes: como descongelar.





MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é doutor em Economia pela Universidade de Harvard, professor-titular da F.G.V./SP e Consultor de Economia desta Folha.

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