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Marcos Cintra

Plano Austral no Brasil é loucura

Em primeiro lugar, alguns pontos importantes na compreensão dos fenômenos inflacionários:


1º Quanto mais alta a taxa de inflação e de reajuste de preços, mais frequentemente as pressões inflacionárias têm origem no chamado "conflito distributivo". Isso significa que quando a inflação passa a afetar com maior intensidade as rendas das classes sociais de menor poder de barganha, mais frequentes e visíveis tornam-se as tentativas no sentido de preservar suas parcelas na distribuição da Renda Nacional, repassando custos. Mais generalizadas tornam-se também as elevações de preço de caráter preventivo, antecipando-se futuras perdas de renda oriundas da exacerbação inflacionária. Portanto, quanto mais elevadas as taxas de inflação, mais generalizado se torna o uso da indexação dos preços, seja de forma formal ou informal.


2º Quanto mais generalizado for o uso da indexação de preços, menos provável e eficaz se torna o mecanismo de desvalorização monetária como uma das maneiras de transferência de recursos dos credores para devedores.


Assim, por um lado, a indexação generalizada da economia torna a inflação menos distorsiva em termos dos efeitos sobre a renda, tornando mais fácil conviver com ela. No entanto, isso impede que o fenômeno da inflação seja combatido impondo perdas definitivas a determinados segmentos econômicos.


Tendo como pano de fundo estas observações, cabe perguntar qual a exequibilidade da adoção, a curto prazo, de medidas de choque no combate à inflação brasileira.


Não há dia sem que corram rumores sobre o eminente congela- mento de preços de salários, reforma monetária, e desindexação, medidas estas que comporiam um tratamento de choque no combate à inflação.


Parece que há consenso no tocante às características essencialmente recessivas desta terapêutica, pois envolveria não somente o desestímulo aos investimentos privados, como também cercearia os níveis de de- manda por bens e serviços, tanto por parte do governo, quanto dos assalariados.


Em termos de efeitos finais, o que diferencia o choque ortodoxo do choque heterodoxo é, em última análise, o fato de que, no primeiro caso, a recessão, causada por políticas fiscais e tributárias apertadas, acarretará perdas aos agentes econômicos pela via do desemprego; já no segundo caso, as perdas são impostas de forma institucional, e somente depois, com a realização daquelas perdas, surgirão os efeitos contracionistas na demanda agregada. É simplesmente uma questão de saber dentro de qual invólucro ocorrerá a inevitável recessão e consequente ajustamento e compatibilização entre renda e reivindicações sobre esta mesma renda. Dentro do figurino ortodoxo a recessão distribui as perdas de forma menos concentrada do que no quadro de reformas de choque. A recessão e o desemprego afetam, com maior ou menor intensidade, a todos, ao passo que as medidas de choque concentram seu poder de fogo em segmentos muito bem identificados.


Em essência, portanto, o chamado tratamento não convencional no combate à inflação produzirá um generalizado esfriamento do nível de demanda: e, apesar de vir acompanhado de medidas de efeito psicológico, tal como a reforma monetária, o cerne do programa está no cerceamento da expansão do nível de atividade interna.


Contudo, há uma sensível diferença entre o tratamento ortodoxo, homeopático, e o tratamento de choque. Trata-se da forma e da truculência com que o segundo impõe perdas de modo a determinados segmentos econômicos.


No dia a dia, os reajustes de preços não ocorrem ao mesmo tempo, e o congelamento instantâneo de preços e salários poderá impor severas perdas de renda não previstas e/ou não desejadas. Esta é a essência da questão da sincronização dos reajustes de preços, sendo importante razão da inviabilidade de um tratamento de choque no Brasil.


Igualmente, um plano ortodoxo no mito Bulhões também é inviável na medida em que não há condições políticas para a aceitação de um novo processo recessivo em nosso país. Vale lembrar que a Argentina já se achava dentro de um quadro recessivo quando da implementação do "plano austral", ao passo que o Brasil vive um dos momentos de maior crescimento de sua história.


Os chamados planos heterodoxos ainda esbarram em dois outros obstáculos. O primeiro é a dificuldade em controlar os sindicatos, sem o que, o congelamento de preços terá repercussões mais dramáticas que a recessão, comprometendo a sobrevivência do setor produtivo privado. A indisposição das lideranças sindicais para negociar em bases realistas e a agressividade de suas reivindicações são fatores que inibem totalmente a viabilidade das medidas de choque, e qualquer tentativa naquela direção, sem as necessárias precauções, só poderia ser desastrosa para o país.


O segundo grande obstáculo é a incapacidade do governo em controlar seus próprios dispêndios. É verdade que a inevitável desindexação, ao impor pesadas perdas aos detentores de ativos financeiros, deverá reduzir um importante foco de pressões nos gastos públicos — o serviço da dívida interna. No entanto, para o sucesso de um plano de reformas econômicas, é imprescindível que o setor público esteja sob controle, ainda mais porque as taxas de juros internas deverão permanecer elevadas para inibir maciças fugas de dinheiro do circuito financeiro. No Brasil, não há atualmente condições para a adoção de um "plano heterodoxo", e fazê-lo seria uma loucura redobrada.

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