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  • Marcos Cintra

As mutáveis leis econômicas

Em economia, mais do que em qualquer outra ciência, tenta-se descobrir normas de comportamento as quais, uma vez aceitas, são revestidas de auréolas de verdades absolutas e são até mesmo chamadas de "leis" econômicas. Embora muitos economistas tentem convencer do contrário, essas chamadas "leis" econômicas não possuem os atributos essenciais de uma lei e, não raro, são rejeitadas, vítimas muitas vezes de um modismo festejado e passageiro.


Isto aconteceu com a Lei de Say (hoje evocada novamente para justificar o modelo brasileiro de crescimento via concentração de renda), a Lei de Malthus e a Lei dos Rendimentos Decrescentes em sua versão ricardiana (hoje novamente evocadas pelos proponentes da "taxa zero de crescimento") e várias outras.


Na tentativa de justificar a adoção de sistemas de controle de preços, como instrumento de controle à inflação, começa-se a rejeitar hoje, mesmo nos países de acentuada tendência liberal, a mais forte dessas leis, a lei da oferta e da procura. Essa atitude se vê definida em recentes declarações do Sr. Ministro da Fazenda.


Declarou o Prof. Simonsen que a lei da oferta e da procura, na realidade, não pode funcionar num mercado imperfeito, de estrutura oligopolística, de tal forma que não se pode falar na existência de uma curva de oferta. Acentuou ainda que, mesmo em condições de concorrência perfeita a expectativa inflacionária gera distorções nas curvas de oferta e da procura, o que resulta em contínua ascensão de preços e ineficiente alocação de recursos.


Embora a exposição de motivos justifique a posição adotada pelo Prof. Simonsen com relação à grande parte do setor industrial, bem como a segmentos importantes no setor de serviços, o mesmo não é válido com relação ao setor primário, mormente na classe de gêneros alimentícios.


Tendo em vista que, de acordo com o Sr. Ministro, uma política de controle de preços para ser bem-sucedida deve manter uma rentabilidade satisfatória nos setores controlados para que a pressão inflacionária seja contida sem crises no abastecimento, ou seja, a inexistência de demanda insatisfeita, seria necessário que o preço fixado se situe em níveis compatíveis com o equilíbrio da oferta e da procura. Com relação ao setor agrícola, o sucesso de uma política de preços deve passar por um teste adicional, ou seja, evitar o problema das flutuações e ciclos de preços com os inevitáveis reflexos na produção.


O argumento apresentado com relação ao setor industrial de que o mercado é oligopolístico e que, portanto, não se pode falar em curva de oferta, não é igualmente válido para o setor primário, onde a estrutura da produção é atomizada, os produtos são homogêneos e os preços são razoavelmente uniformes. Se acoplarmos tal fato à já comprovada sensibilidade da agricultura aos estímulos de preços e à possibilidade, típica do agropecuário, de utilização de fatores de produção em atividades alternativas, consumar-se-á um verdadeiro jogo de esconde-esconde contra o controle de preços. O resultado serão as periódicas crises no abastecimento a que tão frequentemente temos assistido.


O segundo argumento justificando controle de preços apresentado pelo Sr. Ministro é o de que em regime inflacionário "as curvas de oferta e procura podem ser viciadas pelas expectativas de altas de preços".


Mais uma vez o argumento não é inteiramente válido. Primeiramente, o grau de distorção na procura tende a ser reduzido já que produtos agrícolas não se prestam à formação de estoques pelo menos ao nível do consumidor final. Em segundo lugar, as distorções da oferta tendem a ser bem mais reduzidas em função da maior competitividade do setor.


Finalmente, a prática do controle de preços no setor agropecuário com manutenção de rentabilidade e sem crises de abastecimento é grandemente prejudicada pela notória dificuldade em levantamento de custos, bem como pela necessidade de possibilitar o acesso das classes de mais baixo poder aquisitivo ao mercado de bens considerados essenciais.


O resultado é que os objetivos de manutenção da rentabilidade do setor controlado e o de um mecanismo de abastecimento eficiente e abrangente se tornam incompatíveis. Em alguns produtos de primeira necessidade, em vez do subsídio pago ao produtor observado em vários países, temos assistido a um mecanismo de subsídios pagos pelo produtor. O resultado são as filas e o mercado negro.


Sem dúvida, o mecanismo de controle de preços é uma peça fundamental no combate à inflação. No entanto, a agropecuária reage violentamente aos estímulos de preços, o que dificulta imensamente a concretização de uma política econômica que vise a estabilidade da produção a níveis compatíveis com a demanda sem que existam condições de conhecimento da estrutura de custos.


É preciso que a antítese da lei da oferta e da procura não se arvore em nova "lei" de controle à inflação e que não resulte nos efeitos maléficos causados por tratamentos padronizados e que ignoram as condições peculiares de cada situação.



Publicado no Jornal Última Hora


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