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  • Marcos Cintra

Trabalhador agrícola deve fortalecer o SFH

Em artigo publicado pela "Folha" domingo passado, apontamos algumas falhas de nossa política habitacional para a população de baixa renda. Especificamente, mostramos que:


a) historicamente a política habitacional brasileira não tem dado a prioridade que a habitação popular exige e tem orientado seus recursos para outras atividades e para a produção de habitação para as camadas de renda mais elevada;


b) existe uma contradição estrutural entre os objetivos sociais do BNH e a sua estrutura operacional dependente do setor financeiro privado; e


c) os recursos do Sistema Financeiro da Habitação exigem remuneração não compatível com a capacidade de pagamento da população de baixa renda; sua captação acompanha as flutuações conjunturais e, portanto, aprofunda as oscilações cíclicas.


Os problemas levantados acima apresentam relativas possibilidades de solução. O setor habitacional, seja ele de construção ou de parcelamento do solo, está em grande parte sujeito a decisões tomadas no âmbito municipal e estadual. Isso se apresenta como um sopro de esperança, na medida em que a decisão de agir ganha representatividade, flexibilidade e agilidade. Além, evidentemente, de medidas que reduzam a taxa de juros interna e de incentivo para aplicações em caderneta de poupança e para captação de recursos pela colocação de letras imobiliárias e cédulas hipotecárias (várias já em estudo pelo governo federal), sugerimos abaixo algumas linhas de ação que poderiam contribuir para a reestruturação da nossa política habitacional de forma a que seus objetivos de interesse social sejam realizados.


a) A solução do problema habitacional brasileiro para as camadas de baixa renda tem necessariamente que passar pela alternativa dos "2 estágios", ou seja, o financiamento da compra do lote urbanizado e da posterior autoconstrução da habitação. Esta alternativa poderá ser complementada pela deselitização e desburocratização da legislação que rege o parcelamento do solo tanto no âmbito federal como, e principalmente, nas esferas estaduais e municipais. Envolveria também a dinamização de programas de financiamento que atendam a essas atividades, além da criação de programas específicos na área de barateamento e distribuição de materiais de construção essenciais e na área de tecnologia e assistência à autoconstrução.


b) O atendimento às camadas populacionais de mais baixa renda exige a aceitação de reduzida remuneração financeira aos recursos aplicados. Isso exige a intermediação dos órgãos públicos de natureza social como as Caixas Econômicas e demais órgãos financeiros estatais aos quais deverão ser redirecionados os recursos financeiros disponíveis no sistema. Assim, a captação de recursos provenientes de cadernetas de poupança deveria ser atribuição dessas instituições voltadas aos interesses sociais, basicamente Caixas Econômicas. Dessa forma, o processo de alocação desses recursos refletiria mais adequadamente a própria origem desses fundos, ou seja, os extratos inferiores de renda. Evitar-se-ia desta forma as distorções introduzidas pelas contradições entre os objetivos sociais do BNH e a estrutura operacional usada para suas operações.


c) O volume de recursos para o Sistema Financeiro da Habitação precisa ser reforçado para impedir que, como vem acontecendo nos últimos meses, o setor habitacional seja paralisado. Em primeiro lugar, medidas de caráter fiscal e parafiscal poderiam ser tomadas. A arrecadação do Imposto sobre Lucro Imobiliário, que será plenamente aplicado a partir de 1983, deveria ser integralmente canalizada para o BNH. Ainda não existem estimativas sobre o volume de recursos que este imposto arrecadará, porém, será sem dúvida volume significativo, que deveria retornar para a atividade onde foi gerado. Outra linha de ação seria a implementação do disposto no artigo 23 da Lei 4380, que criou o BNH, que obriga a subscrição de Letras Imobiliárias no percentual mínimo de 5% sobre o valor das construções cujo custo unitário exceda 500 vezes o maior salário mínimo. Este dispositivo, com as adaptações que se façam necessárias, geraria recursos que, em virtude de seu custo mais elevado, poderiam ser canalizados para o atendimento da demanda habitacional das classes de renda mais alta.


Finalmente, o reforço aos recursos para habitação poderiam advir de alterações na sistemática atual. O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço veio substituir a instituição da indenização por tempo de trabalho. O funcionário, no seu desligamento da empresa, recebia como indenização uma quantia baseada em seu salário corrente, por cada ano de serviço. O FGTS estabeleceu que os empregadores adiantassem o equivalente a um salário mensal por ano de serviço do trabalhador. Portanto, a mera correção dos valores adiantados pelos empregadores seria suficiente para a equiparação dos benefícios do FGTS aos da indenização. Atualmente, o FGTS remunera seus depósitos a taxas que variam entre 3% e 6% ao ano, o que transformou o fundo num virtual depósito de poupança, ou fundo de previdência e aposentadoria em duplicidade de ação com o Mapas. Acreditamos que a eliminação do pagamento de juros aos depósitos do FGTS, mantendo-se tão somente sua correção monetária plena, seria importante medida no sentido de reduzir o custo dos recursos do Sistema Financeiro da Habitação. Possibilitar-se-ia, destarte, a redução dos juros cobrados aos mutuários e a consequente dinamização do setor habitacional popular. Atente-se ao fato de que esta medida visa ao fortalecimento do sistema e ao atendimento de habitação de interesse social e que, em última análise, implica transferência de recursos dos trabalhadores empregados e possuidores de moradia própria para aqueles que ainda não conseguiram obtê-la. A redistribuição favoreceria também àqueles que se encontram desempregados na medida em que reativaria o setor imobiliário, grande absorvedor de mão-de-obra. Aliás, o FGTS não foi estendido ao trabalhador rural que ainda convive com o instituto da indenização por tempo de serviço. A extensão do FGTS, ao trabalhador agrícola, nos moldes propostos, seria importante medida adicional de fortalecimento do Sistema Financeiro Habitacional.

 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é professor do Departamento de Planejamento e Análise Econômica da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas.


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