top of page
  • Marcos Cintra

Agropecuária precisa ter mecanismos próprios para captação de recursos

Durante as décadas de 60 e 70, o setor agrícola foi condicionado por uma conjunção de fatores favoráveis ao seu crescimento, dentre os quais se destacam as boas cotações do mercado internacional, a expansão da fronteira agrícola e a abundante oferta de crédito subsidiado. Hoje as condições são totalmente diferentes, e o governo vem tentando ajustar sua política à nova realidade observada.


Em grandes linhas, pode-se antever alterações no imposto de renda nas atividades rurais, a manutenção das forças de mercado, interno e externo, como determinantes principais dos preços dos produtos agrícolas, maior apoio governamental às atividades de pesquisas, comercialização e construção de infraestrutura de transportes e armazenamento, maior ênfase nos programas de preços mínimos, e como principal alteração, a total eliminação do crédito rural subsidiado.


São conhecidas as distorções geradas a partir da indiscriminada disponibilidade de crédito favorecido, as quais vão desde o uso perdulário e ineficiente de insumos, tais como fertilizantes e defensivos, à subutilização de máquinas e implementos agrícolas. Não obstante, contribuiu para um desempenho satisfatório do setor em termos de produção, produtividade da terra, crescimento da área cultivada e geração de divisas pelo aumento das exportações.


A partir de 1979, a política de crédito para a agricultura foi alterada, com sensíveis cortes na disponibilidade de recursos e gradual redução dos subsídios. Hoje, o agricultor paga correção monetária mais juros sobre os empréstimos efetuados para o financiamento de sua produção. Considerando-se que a taxa de juro de crédito rural ainda se encontra abaixo do mercado, o custo médio do dinheiro acha-se atualmente entre 10% e 25% ao ano, além da correção monetária, taxa elevada para atividades de risco como a produção agropecuária. Ademais, observa-se aperto de liquidez, com a demanda por recursos sensivelmente superior à oferta.


Só UBC E PREÇOS MÍNIMOS NAO BASTAM


É importante salientar que não basta a fixação de valores básicos de custeio e de preços mínimos adequados se a disponibilidade de financiamentos for restrita. Com exceção de produtores que obtiveram bons preços na safra em curso, tais como algodão e laranja, os demais acham-se sem capital de custeio, e muito menos de investimento. Nestas circunstâncias, a área cultivada pode até ser mantida, mas restringe-se a utilização de fertilizantes, inseticidas, fungicidas e rações animais; os investimentos são reduzidos, podendo comprometer a necessária reposição das máquinas e equipamentos depreciados, com óbvios reflexos no nível da produtividade e, consequentemente, nos custos de produção.


Nas últimas décadas, a política de crédito rural constitui uma das poucas constantes no rol das políticas econômicas adotadas no país. Qualquer observador de bom senso da agricultura brasileira percebe a importância, a capilaridade e o grande papel indutor do subsídio financeiro na modernização do setor. Foi uma solução para algumas características peculiares da economia brasileira, conseguindo-se conciliar, durante muitos anos, a produção com preços comprimidos, o aumento de exportação com a supervalorização do cruzeiro, a relativa modernização da produção com grande escassez de infraestrutura básica e o aumento da oferta agrícola numa economia mergulhada em forte recessão. O crédito rural subsidiado não tem sido uma discriminação gratuita em favor da agricultura; ao contrário, neutralizou satisfatoriamente uma série de ocorrências impeditivas do crescimento agrícola.


DESCONTROLE DO ORÇAMENTO


A crítica importante feita ao crédito rural brasileiro é a forma de seu financiamento, contribuindo para o crescente descontrole do orçamento monetário. Foi sem dúvida uma das mais fortes razões para a sua eliminação como instrumento de fomento à produção.


O subsídio a uma determinada atividade justifica-se por si mesmo no momento em que se evidenciam as vantagens, para a sociedade como um todo, dos resultados obtidos pelo setor favorecido. Essas vantagens aparecem à simples análise do desempenho da agricultura brasileira. O setor agrícola hoje descapitalizado e dependente repassou à sociedade todos os subsídios e incentivos recebidos, nada ou quase nada retendo para si. Desta forma, justifica-se a alocação de recursos fiscais em função das novas exigências do setor. No momento em que se debate a reforma fiscal no Brasil, torna-se pertinente uma discussão específica das necessidades do setor agrícola brasileiro.


Paralelamente, é importante ter em mente que não existe no Brasil mecanismo de captação de recursos do setor agropecuário especificamente orientado para sua própria realimentação. A experiência de vários países demonstra que o potencial existe e que deve ser explorado. Atualmente, recursos gerados no setor agropecuário são absorvidos pelos circuitos financeiros e estes poucos ou nenhum interesse têm em aplicá-los de volta ao setor originário. Transferem-se recursos que, embora não dimensionados, viriam por certo constituir fontes importantes para o financiamento da atividade primária no Brasil. O essencial para a viabilização de iniciativas financeiras no setor agropecuário é a percepção do agricultor de que os recursos gerados reverterão em seu próprio benefício, de forma próxima, explícita e inequívoca. Neste sentido, não seria recomendável a criação de grandes fundos nacionais como o BNH, PIS, PASEP ou o IBC. A prática mostra que os objetivos de iniciativas tais como as citadas acima são logo desvirtuados, distanciando-se rapidamente daqueles que justificaram sua criação. Antes seriam preferíveis iniciativas regionais, até mesmo locais, o que certamente traria maior credibilidade ao projeto.


A forte elevação dos preços recebidos pelos agricultores durante 1983, resultante em parte do mau desempenho agrícola daquele ano, não conseguiu induzir senão a uma tímida recuperação da produção na safra de 1984. É de desejar que para o plantio do ano agrícola, ora em seu início, não faltem recursos nem incentivos para que a agricultura brasileira possa alcançar, pelo menos, os melhores níveis obtidos no passado.


Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Professor do Departamento de Economia da Fundação Getulio Vargas (SP) e Secretário Executivo do Conselho Superior de Política Agrícola da FAESP.


Publicado no Jornal da FAESP.


Topo
bottom of page