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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A plateia fugiu

Foi surpreendente a eficácia do congelamento de preços durante os primeiros seis meses de vigência. Ocorreram naturais e inevitáveis desajustes que resultaram no aparecimento de ágios; e as características próprias de alguns produtos de oferta altamente sazonal, como hortifrútis e vestuários, também apresentaram oscilações de preços.

Não há como negar, contudo, que até setembro os preços mantiveram-se razoavelmente estáveis e que não houve crise de abastecimento, apesar de alguns estrangulamentos, como por exemplo, no mercado de carne.

Foram meses de grandes avanços nos níveis de renda, de emprego e de consumo. Infelizmente, porém, as melhorias nos padrões de vida durante aquele período foram sacados contra o crescimento futuro da economia. Foi como se tivéssemos assinado notas promissórias sem dada de vencimento – ou melhor, com vencimento à vista –; a ultrajada lógica econômica se encarregou de efetuar a cobrança.

Dizem que o Cruzado 2 foi o pacote do professor João Manoel Cardoso de Melo, homem forte atrás do ministro Funaro e economista de confiança da cúpula do PMDB. E sobre esse grupo de desmancha prazeres desabou a fúria da população, revoltada com a cobrança de débitos vencidos; se não pagos, também os zelosos credores internacionais habilitarão seus créditos perante a massa falida.

O que se esqueceu, com excessiva rapidez, entretanto – e no auge da brincadeira ninguém realmente quis pensar nas consequências –, foi que o Plano Cruzado, o primeiro não poderia dar certo. Foi um ato de ilusionismo, exatamente como no anuncio das cadernetas de poupança, veiculado nos canais de televisão, no qual um mágico tira dinheiro da cartola sob os olhares virados da plateia.

Perdoem-me os técnicos inercialistas inspiradores do plano, mas eles só contaram uma parte da estória. Esqueceram-se dos impactos inflacionários dos déficits públicos, dos coques de custo, das pressões da demanda; e também das inelasticidades estruturais de economias em desenvolvimento e dos conflitos distributivos típicos de sociedades pobres e com distribuição de renda tão desigual como no brasil.

Todas essas questões permaneceram praticamente intocadas. No afã de efetuar as necessárias correções de rumo o governo tenta, agora, fazer tudo de uma vez. Infelizmente e economia já começou a reagir de forma não-cooperativa, daí a urgência de novas formas de ajustes anti-inflacionários. Neste sentido, a experiência de Israel, que parte agora par uma quarta etapa de seu esforço de estabilização, poderá ser bastante instrutiva.

 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), chefe do departamento de Economia da FGV/SP, e consultor econômico desta Folha.

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