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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Cenários para 1987

Economistas são frequentemente colocados frente a embaraçosos desafios; entre eles o de delinear o quadro econômico futuro, principalmente quanto à relação entre crescimento econômico e combate à inflação. A melhor saída, quando tão cruelmente questionado, é estabelecer dois ou três cenários alternativo, atribuindo-lhes probabilidades de ocorrência e também emitindo juízos de valor acerca de cada um. É o que tentarei fazer neste rápido exercício.

Cenário Inercial. Neste quadro o pacto social não lograra sucesso; premidas por dificuldades e pressões de todos os lados, as autoridades se verão impossibilitadas de tomarem iniciativas, e passarão a ser caudatárias na evolução das principais variáveis econômicas; os erros passados não serão corrigidos; antes, repetidos; a racionalidade política não será compatibilizada à econômica. Este cenário desafortunadamente tem grande probabilidade de tornar-se realidade.

Apesar dos aumentos de arrecadação gerados pelo Cruzado 2, os gastos públicos serão elevados, principalmente por conta da necessidade de investimentos governamentais. O déficit público não será contigo e, numa conjuntura de pleno emprego, causará a expulsão do setor privado pela manutenção de elevadas taxas de juros, que será sancionada pelo Banco Central. Forçado a investir pela retração dos investimentos privados internos e do exterior, o governo aumentará sua participação relativa na economia. A inflação corretiva acionará uma nova corrida preços-salários, também sancionada pela incapacidade do governo em impor sua política de desindexação. A taxa de câmbio será ajustada continuamente, em pequenos degraus, potencializando a força da inflação. Neste cenário, o crescimento da economia será mais baixo – em torno de 4,5% - e a inflação se estabilizará, inercialmente, em patamares entre 150% e 200% ao ano, salvo a ocorrência de novos choques de preços, quando poderá facilmente explodir num processo hiperinflacionário.

Cenário Ortodoxo. Novamente, o fracasso dos entendimentos para um pacto será o principal responsável pela ocorrência deste cenário. A diferença em relação ao anterior é que a política econômica votaria a seguir os padrões clássicos de austeridade fiscal e monetária. Seria uma guinada para a direita com baixa probabilidade de ser concretizada. As condições políticas, dado o compromisso do presidente com a não-recessão, fazem com que, felizmente, esta seja uma opção quase descartável a curto prazo.

As altas taxas de juros reais, a redução dos gastos públicos de custeio e de investimento, à deterioração dos salários frente ao câmbio, além do retorno à indexação, farão com que esta política ressuscite a estagflação. As melhorias decorrentes nos saldos comerciais não terão condições de manter a taxa de crescimento do PIB per capita em níveis positivos. Nesta estratégia gradualista a inflação bateria em 150%, e lá permaneceria. Somente a completa derrocada do projeto político do presidente Sarney, entretanto, tornaria esta opção uma realidade.

Cenário Israelense. Este quadro pressupõe um entendimento. Não um pacto reformista, como muitos vêm apontando; isto seria totalmente inviável, pois não há tempo, nem clima, para uma reavaliação estrutural da economia brasileira. O caminho seria um pacto provisório, cujo objetivo maior é a manutenção da situação atual – é a cristalização das mudanças já ocorridas a partir do Cruzado 1, como pré-requisito para a formulação de uma política econômica de fôlego.

Neste quadro o governo deverá promover uma forte inflação corretiva com o realinhamento dos preços relativos; deverá impor uma total desindexação, inclusive salarial; possivelmente uma maxi. O efeito imediato será uma “bolha” inflacionária, logo esvaziada pela não-indexação e principalmente por um novo congelamento temporários de preços e salários.

Como em Israel, seria negociada uma reposição pautada das perdas salariais imediatas, com o compromisso do setor produtivo absorver integralmente estas correções; nada impediria também um abono parcial nos salários para dividir os sacrifícios do ajuste com o setor produtivo. A parte d governo seria compromisso de cortes nos fastos públicos e reinicio de seus investimentos, paralelamente à concessão de incentivos à retomada das inversões privadas. As políticas fiscal e monetária seriam rigorosamente monitoradas.

Esta estratégia criaria condições para a preparação de um ajuste fiscal calcado numa ampla reforma tributária, e para o fortalecimento da independência das autoridades monetárias em relação ao Tesouro. Neste cenário o crescimento seria mantido – 4% ou 5% - e a inflação poderia ser contida em 1% ou 2% ao mês.

Gostaria de ver a terceira opção; não creio que o governo permita a primeira, e nem deseje a segunda.

 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), chefe do departamento de Economia da FGV/SP, e consultor econômico desta Folha.


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