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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Salários, inflação e crescimento

A partir do Plano Cruzado, a economia brasileira passou a conviver com a instabilidade. A inflação se desequilibrou, os juros deixaram de ser indicadores de liquidez, o crescimento da produção passou a oscilar de forma descontrolada, os superávits comerciais estão numa verdadeira gangorra e as expectativas e humores dos agentes econômicos mudam de rumo ao menor sinal. Apenas as previsões sobre a inflação nos próximos meses mostram uma clara tendência - a de elevação rápida. Em outubro, 9,5%, e em novembro, 11% ou mais.


As ameaças de frustração na lista antiinflacionária não estão, desta vez, nas distorções do congelamento, nos juros reais negativos e, quiçá, nem mesmo no déficit público - acham-se na brutal recomposição salarial que surge no horizonte. A tendência aponta para dissídios coletivos que cobrirão toda a inflação dos últimos doze meses. Em outras palavras, os patamares salariais do último trimestre de 1986 serão reproduzidos neste ano.


Mas há aqui um fato importante: os salários serão reajustados mensalmente pela URP, de tal forma que, salvo forte aceleração nos índices de inflação, os salários reais serão mantidos próximos aos valores de pico. Isto equivale dizer que serão recriadas condições semelhantes às responsáveis pela derrocada final do Plano Cruzado - uma absoluta inconsistência macroeconômica entre o crescimento da demanda e o da oferta.


O impacto da recomposição salarial no consumo será imediato, ao passo que o potencial de resposta da oferta será limitado pela capacidade ociosa da economia - que, no geral, ainda é baixa - uma vez que os investimentos praticamente não ocorreram nos últimos cinco anos. Durante a gestão do ministro Bresser Pereira, sancionou-se o maior arrocho salarial da história - embora o Plano Bresser tenha inequivocamente impedido quedas mais acentuadas - para logo em seguida ocorrer a mais abrupta recomposição de ganhos já observada.


É evidente que todos desejam aumentos salariais, mas há necessidade de cautela para evitar que a inflação os transforme em meros aumentos nominais. Com o potencial produtivo constante, a partir da inexistência de investimentos, aumentos de salários reais somente serão possíveis mediante uma redução equivalente da remuneração do capital. Este conflito distributivo é inexorável, pois em última análise a renda nacional se compõe apenas da remuneração do trabalho (no Brasil, cerca de 45%) e do capital (em torno de 55%). Mesmo que a participação direta dos salários em setores específicos seja reduzida - na indústria, por exemplo, representa 20% do valor agregado - há que atentar para o fato de que existe mão-de-obra incorporada nos insumos e matérias-primas. Computando-se todas estas relações interindustriais, o custo do trabalho chega, de forma agregada, a quase metade da renda total. Assim, se os empresários não aceitarem reduções de suas margens de lucro, a inflação explodirá pelas pressões de custos, além das de demanda.


O professor Oliveira Lima, da FGV, lembra que não haverá sucesso no controle da inflação enquanto algum segmento econômico não assumir perdas definitivas. Eu acrescentaria, porém, a existência de uma exceção, que ocorreria no caso de se manter o crescimento econômico. Este é, no Brasil, um eficiente antídoto contra a aceleração inflacionária. Não o crescimento da demanda, divorciado da expansão do produto, mas sim um verdadeiro processo de alavancagem do investimento e da oferta. Quanto a este objetivo, no entanto, a economia brasileira está ficando cada vez mais distanciada.

 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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