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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Salários e a eliminação da URP

Surge novamente, com a polêmica ocorrida entre o ministro Bresser Pereira e os representantes dos trabalhadores, a velha questão das perdas salariais. O ministro sustenta, aliás corretamente, que o Plano Bresser não pode ser acusado de ter promovido um arrocho salarial, embora seja inegável que tenha o sancionado.


De fato, o governo aceitou as perdas ocorridas durante os primeiros seis meses do ano quando o gatilho não conseguiu manter os salários reais. Com exceção de julho, a tendência é de quedas, embora menos acentuadas que as anteriores, pois as correções mensais pela URP de certa forma amenizam o problema.


Apesar da demonstração do ministro, as várias categorias que negociam seus salários a partir de setembro estão reivindicando e obtendo reajustes que recolocam seus salários reais nos patamares de pico atingidos um ano antes, quando o Plano Cruzado possibilitou enormes ganhos reais. Combinados com os reajustes mensais da URP, essas "conquistas" trabalhistas serão o caminho certo para o retorno das pressões hiperinflacionárias.


A demonstração do ministro é uma defesa contra a acusação de ter arrochado os salários. No entanto, isso não basta para convencer os líderes trabalhistas sobre os riscos das atuais linhas de reivindicação salarial. Resta demonstrar que os ganhos de salários reais que começam a ser concedidos apenas se transformarão, rapidamente, em ganhos meramente nominais. Esta é a verdadeira questão, e aqui é onde o governo deveria concentrar todas as suas energias. Defender-se de acusações sobre eventos passados, por mais violentas e injustas que sejam as denúncias, está apenas desviando a atenção da principal ameaça que paira sobre o Plano Bresser.


Sabe-se que a URP naufragou. A ideia era inercializar a inflação mediante reajustes equivalentes de preços e salários. Não parece estar funcionando em nenhum desses dois casos. Assim, a melhor solução seria uma medida de coragem - sua própria eliminação. Nesse caso, seriam atenuadas as consequências dos fortes reajustes salariais que estão ocorrendo, e também se estaria reconhecendo uma realidade: a unidade de referência de preços não está sendo usada para indexar preços.


Finalmente, a título de curiosidade, cabe observar que a demonstração apresentada pelo ministro Bresser Pereira não está rigorosamente correta. Em primeiro lugar, porque, como diz o documento, se está presumindo que os salários são gastos ao longo do mês seguinte ao trabalhado, deflacionando-se o ganho nominal pela inflação acumulada do mês seguinte se está, de fato, presumindo que a totalidade dos gastos ocorrem no último dia do período, e não ao longo dele. Em segundo lugar, porque os índices da FIESP se referem a salários recebidos no próprio mês - não é critério de competência - daí não se justificar a utilização dos índices de inflação apenas do mês posterior. Mesmo refazendo as contas, porém, é provável que os resultados não sejam muito diferentes, mas vale a pena checar.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da FGV e consultor econômico desta Folha.

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