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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Novas lideranças

Como bem demonstrado pela nova projeção do déficit público anunciada pelo governo, o Brasil não dispõe de mecanismos capazes de controlar a presença do Estado na economia. A tentativa de dimensionar o desequilíbrio financeiro federal por parte da atual equipe econômica foi um dos mais competentes exercícios de identificação das origens da questão. Contudo, fica patente que apenas um bom diagnóstico não é suficiente, já que os instrumentos de ação não se acham presentes.


A economia brasileira não comporta mais a maciça presença estatal. Não se trata de uma afirmação de conteúdo dogmático, mas apenas da constatação de uma impossibilidade física. Não há como continuar empilhando dezenas de milhares de planilhas de custo com o objetivo de controlar preços; é impossível a determinação de uma política gerencial para um setor produtivo estatal agigantado e que necessita de alguns pontos percentuais do PIB para financiar suas necessidades de recursos; não há como estabelecer critérios de desempenho para uma parcela da economia, como a estatal, cujos campos de atuação vão desde atividades típicas de governo até os mais corriqueiros tipos de prestação de serviços, como hotelaria, passando pela extração e distribuição de petróleo, por siderúrgicas e pela energia nuclear.


A eficiente administração deste complexo de atividades é simplesmente impossível, daí a urgência de se iniciar a desmontagem deste monstruoso aparato.


Sem dúvida, a sociedade brasileira já se apercebeu deste fato, mas existem barreiras a serem transpostas, levantadas por interesses pessoais e de grupos detentores de poder que, na prática, inviabilizam qualquer movimento naquela direção. Em nome de interesses sociais, estes segmentos de grande poder de fogo político e econômico expropriam grande parcela da renda nacional, usando o Estado como intermediário.


Não há dia sem que se anunciem programas de saneamento financeiro e transferências, sob os mais variados disfarces. O exemplo mais recente ocorreu na terça-feira passada, ao se criarem novas linhas de crédito para socorrer empresas altamente endividadas. São episódios que se repetem a cada reunião do Conselho Monetário Nacional, e que apenas acirram a enorme cadeia de endividamento existente no Brasil, onde todos devem a todos, e agora, ninguém paga ninguém.


Segundo dados da reprogramação do Plano Macro, por exemplo, o déficit projetado para o grupo Eletrobrás passou, em três meses, de Cz$ 17 bilhões para Cz$ 62 bilhões, "em função do não recolhimento do RGG (Reserva Geral de Garantia) e do RGR (Reserva Geral de Reversão) devidos pelas concessionárias estaduais de energia, além do não pagamento da energia comprada junto à Eletrobrás". Outro exemplo lastimável é a provável suspensão da intervenção em vários bancos estaduais, não porque tenham sido saneados, mas apenas por terem sido beneficiados com a transferência de seus débitos (junto ao Banco Central) aos Tesouros de seus respectivos Estados, que também jamais saldarão estes compromissos. Neste jogo de "escravos de Jó...", apenas o contribuinte não tem para quem transferir suas perdas.


O que salta à vista é que não bastarão planos e programas econômicos para recuperar a economia brasileira. O essencial é a conscientização de que sem alterações estruturais, a atual crise fiscal não será debelada. É preciso muito mais do que "pacotes tributários", recomposição de preços e tarifas públicas ou programas de saneamento. Urge uma profunda transformação no modo de pensar e de agir do povo brasileiro, longe do paternalismo, do clientelismo e da corrupção. São precisos novos líderes.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor de Economia desta Folha.

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