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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Livre negociação de salários

Uma efetiva política anti-inflacionária, que vise não apenas à estabilização dos índices de aumento de preços, mas também à sua redução, não poderá prescindir de um ataque frontal à indexação. Certamente, a indexação é um mecanismo de defesa individual contra a inflação, embora sua eficácia como mecanismo de proteção do sistema econômico como um todo seja mais duvidosa, e como tal, não poderá ser extinta sem uma concomitante redução nas taxas inflacionárias. Caso contrário, determinados setores serão forçados a absorver perdas em benefício de outros com defesas mais desenvolvidas.


É o caso da atual política salarial, que só deve ser alterada se fizer parte de um amplo conjunto de medidas antiinflacionárias. No entanto, sabe-se que em breve os reajustes mensais obrigatórios serão de cerca de 16%, o que certamente será um poderoso obstáculo à queda da inflação. Cabe lembrar que a URP apenas corrige salários nominais, e que durante o primeiro semestre de 1987 os reajustes pelo gatilho - que não chegaram a ser mensais - levaram o país à beira da hiperinflação, causando profundas perdas salariais que perduram, com ligeiros ajustes, até hoje.


Neste sentido, lembrando sempre a necessidade de uma estratégia abrangente de combate à inflação, a política salarial precisa sofrer alterações no sentido de ser desindexada. Isso pelas seguintes razões:


a) Os demais preços da economia estão sendo paulatinamente liberados. Isso exige que também os salários sejam formados por mecanismos de mercado. É a única forma de garantir que os preços relativos não sejam distorcidos.


b) A manutenção de salários indexados tende a inercializar a taxa inflacionária. Isso permite que alguns setores repassem mensalmente aos preços a taxa média de aumento de preços, sem que tenham custos. Isso aumenta suas margens.


c) Por outro lado, os setores mais competitivos da economia, incapazes de repassar salários aos preços, são forçados ao ajuste por meio de desemprego.


Nota-se, portanto, que a continuidade da indexação salarial traz efeitos alocativos perversos, que poderiam ser evitados por meio da livre negociação salarial, sem quaisquer restrições. O governo deveria apenas tornar obrigatória uma reposição semestral de perdas inflacionárias. Nada mais. O mercado ajustaria os salários à estrutura de custos e lucro de cada setor. É o caminho para a redução da inflação e, consequentemente, para a recuperação dos salários reais. Vale repetir, contudo, que esta medida não pode ser implementada isoladamente, pois nesse caso os custos do combate à inflação serão mais uma vez suportados exclusivamente pelos assalariados, consolidando um novo arrocho salarial que precisa ser evitado.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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