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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Salários, inflação e lucros

O empresariado brasileiro parece estar disposto a conceder reajustes salariais acima da URP. As declarações de vários líderes da indústria apontam no sentido da necessidade de recompor os salários reais perdidos ao longo de 1987, a fim de evitar que o mercado interno se torne ainda mais desaquecido.


O que chama a atenção nesta aparentemente louvável atitude da classe produtora é que não se toca no ponto realmente importante da questão. Os aumentos salariais serão repassados aos preços, ou os empresários estão preparados para reduzir suas margens de lucro por unidade vendida na expectativa de que o aquecimento na demanda acabará resultando em lucros mais altos pelo aproveitamento de economias de escala e de capacidade ociosa? A verdadeira questão é esta, pois qualquer acordo que implique apenas elevação de salários nominais em nada ajudará no fortalecimento da demanda interna.


Cabe apontar que os aumentos de salários por conta da inflação passada não se mostraram capazes de proteger o poder de compra do assalariado. Pelo contrário, a experiência de 1987 mostrou que a maior indexação salarial apenas corroeu ainda mais os salários reais, ao mesmo tempo em que levou a economia à beira de um processo hiperinflacionário - risco que estamos novamente correndo. De certa forma, fica a impressão de que o raciocínio por trás desta disposição do empresariado em conceder aumentos salariais é o de que os aumentos que os empresários concedem a seus trabalhadores rapidamente revertem em maiores lucros pela exacerbação inflacionária.


O mecanismo é o seguinte: os aumentos de salários acabam se transformando em justificativa para que os preços sejam majorados na mesma proporção. Os setores mais concentrados, com maior poder de mercado, usam a desculpa do aumento dos salários para aumentar seus preços a taxas mais elevadas do que a justificada pelo acréscimo na folha de salários. Com isso, conseguem aumentar suas margens de lucro. Na medida em que não encontrem uma intransponível limitação de mercado, este estratagema vem se tornando uma eficiente forma de aumentar lucros. Em compensação, os setores mais competitivos da economia, incapazes de repassar seus aumentos salariais para os preços, são obrigados a reduzir suas atividades, fazendo o ajuste pelo acréscimo das taxas de desemprego.


É por isso que a indexação salarial, de forma tão acentuada como a que vem sendo praticada, acaba se transformando num eficiente mecanismo de arrocho salarial, aumento de desemprego, desaquecimento da demanda e aumento dos lucros. No entanto, esses lucros acabam sendo totalmente transferidos para os circuitos financeiros, não se transformando em investimentos e expansão da capacidade produtiva da economia.


A superação deste impasse exigirá maior liberdade nos acordos trabalhistas. O governo deve garantir uma compensação obrigatória pela inflação em intervalos fixos. Isso é necessário apenas para dar um mínimo de garantia aos trabalhadores em setores onde tenham pouco poder de barganha. Nos demais, a regra deve ser a ausência de regras. Nos trabalhadores e empregadores de setores em que os acordos implicarem aumentos de salários reais, que esses sejam concedidos na medida do potencial econômico desses setores e da capacidade de negociação de seus trabalhadores. No entanto, qualquer que seja o resultado dessas negociações, os empresários não terão a obrigação de realizar reajustes salariais mensais como justificativa para aumentos de preços.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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