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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Maílson já fez seu pacote

Os recentes percalços enfrentados pela equipe econômica do governo, no que diz respeito às alterações na política salarial para funcionários do setor público, vêm resultando em efeitos altamente perversos. Assistimos, não sem grande dose de perplexidade, ao crescimento da inflação, que ameaça chegar rapidamente aos 20% mensais. Ao mesmo tempo, os indicadores de atividade mostram que a economia está em franco processo de desaquecimento, com o aumento nas taxas de desemprego e desaceleração na expansão industrial e no comércio.


Em meio a todas essas dificuldades, surge ainda a perspectiva de um novo congelamento geral, que contribui para exacerbar a tendência de elevação de preços, como já pode ser constatado por algumas sondagens no comércio varejista.


No meio destas profundas incertezas, é natural indagar acerca das diretrizes de política econômica adotadas pelas autoridades e questionar a efetividade da orientação dos ministros Maílson da Nóbrega e João Batista de Abreu.


Certamente, importantes passos já foram tomados pela atual equipe econômica, embora de forma discreta. Consolidou-se parte do pacote fiscal do ex-ministro Bresser Pereira; caminha-se no sentido da normalização das relações do Brasil com a comunidade financeira internacional, inclusive com a regulamentação das operações de conversão da dívida em capital de risco; congelaram-se os créditos de instituições financeiras (públicas e privadas) para estatais, Estados e municípios; proibiram-se novas contratações de funcionários; impuseram-se cortes de 5% reais em 1988 nos dispêndios com pessoal e serviços de terceiros; aumentaram-se os depósitos compulsórios dos bancos comerciais; limitaram-se os reajustes salariais de servidores públicos por ocasião de suas datas-base. Enfim, já foi decretado no Brasil, independentemente do que ocorra com a URP dos funcionários públicos, um autêntico pacote antiinflacionário, calcado em medidas de austeridade e contenção da demanda agregada. Contudo, e por causa do episódio da URP, ainda persiste enorme intranquilidade.


De fato, como aliás seria de esperar, medidas desta natureza não são aceitas sem dificuldades. A suspensão da URP no setor governamental é a primeira grande barreira que as autoridades enfrentam para fazer valer seus planos ortodoxos de combate à inflação. E, neste impasse, mais uma vez o presidente Sarney vacila, comprometendo seriamente todas as demais providências já adotadas anteriormente.


Há que lembrar que a tradição na Nova República tem sido a de desrespeito às determinações oficiais, a de intenções que não se concretizam e a de descrença na capacidade do governo de impor suas diretrizes, principalmente dentro do próprio setor público. Assistimos agora mais uma tentativa de estabilização da economia, desta vez pelo doloroso, porém inevitável, caminho da retração. Resta saber se as providências serão acatadas, se haverá continuidade nos rumos escolhidos e se a equipe econômica encontrará espaço para impor suas convicções.


Independentemente do que ocorra com a URP dos funcionários públicos, o pacote de Maílson já foi decretado. Se ele pega, é outra história.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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