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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Revolução do feijão com arroz

A política econômica do "arroz com feijão" tem se revelado muito mais interessante do que se esperava. Na realidade, o Brasil está atualmente implementando uma estratégia de estabilização consideravelmente diferente das tentativas heterodoxas do passado recente, mas isso não a torna um experimento estritamente convencional.


Uma política ortodoxa de combate à inflação envolveria contenção monetária, aperto fiscal e também arrocho salarial. Essa combinação de medidas, juntamente com uma política cambial agressiva, resultaria não apenas na estabilização interna, embora com o custo de uma recessão, mas também na geração de superávits comerciais, essenciais para superar problemas externos.


No caso da política econômica liderada por Mailson/Abreu, a contenção monetária não tem sido aplicada devido a certas dificuldades operacionais. O governo está trabalhando para superar os obstáculos que impedem um controle mais efetivo da liquidez. Além disso, na questão da política externa, o "arroz com feijão" tem sido essencialmente convencional.


A grande diferença entre uma política econômica puramente ortodoxa e a do "arroz com feijão" está na combinação das políticas salarial e fiscal.


No passado, o que frequentemente acontecia, embora fosse negado pelas autoridades, era um forte arrocho salarial combinado com uma expansão fiscal. Geralmente, o arrocho salarial afetava principalmente os rendimentos do setor privado, enquanto a expansão fiscal envolvia não apenas o aumento dos gastos públicos, mas também uma certa tolerância em relação aos salários do setor público. Essa combinação de expansão fiscal e restrição salarial no setor privado resultou na expansão desproporcional do setor público brasileiro.


O "arroz com feijão" é, de certa forma, o oposto dessa política. A contenção fiscal se torna uma meta operacional, ao mesmo tempo em que se permite uma política salarial mais flexível. Em relação ao déficit público, os esforços de controle orçamentário incluem a contenção dos salários reais dos servidores públicos, tanto estatutários quanto celetistas, além de cortes em investimentos e outros gastos do governo. Mas em termos gerais de salários, é permitido um processo de indexação, como a URP, que implica em menores perdas para os assalariados. Além disso, as perdas acumuladas são totalmente recuperadas em suas datas-base e, com frequência, são concedidos adiantamentos ou ganhos reais antecipados. Os dados divulgados pela Fiesp na última quinta-feira mostram que os salários reais na indústria paulista cresceram 9,5% em maio, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Essa tendência pode se consolidar, destacando que a política de estabilização do "arroz com feijão" tem nuances bastante distintas em relação às políticas anteriores praticadas no Brasil.


Até o momento, a manutenção relativa dos níveis de emprego e a sustentação, ainda que precária, dos níveis de utilização da capacidade instalada são atribuíveis principalmente à expansão das exportações. A manutenção do poder aquisitivo interno nos níveis do final de 1987, parcialmente recuperados pelo Plano Bresser, também contribuiu de certa forma. No entanto, nos próximos meses, o mercado interno pode fortalecer essa tendência de estabilidade conjuntural.


O que está acontecendo, em resumo, é um reequilíbrio entre o setor privado e o setor público na economia brasileira. Esse será o efeito mais significativo da política do "arroz com feijão". Não se trata de uma política recessiva frontal (como os dados demonstram), mas sim de uma política de reequilíbrio estrutural, na qual o setor privado receberá mais atenção. Como parte desse processo, espera-se controlar os déficits públicos, identificados como a causa mais importante da inflação brasileira.


O sucesso dessa política dependerá essencialmente da retomada dos investimentos privados e da adoção de uma estratégia sólida de desestatização. Sem êxito em uma ou ambas as direções, o resultado provavelmente será hiperinflação e estagnação. A escolha é política.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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