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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A hora do choque

A tendência de crescimento da inflação verificada ao longo de 1988 ocorreu numa conjuntura marcada pela contração da economia. A explicação para esse aparente paradoxo reside na conjugação de choques exógenos de preços, com fortes mecanismos de indexação. Trata-se de um fenômeno amplamente conhecido, que dispensa maiores justificativas.


A ocorrência de choques, contudo, não é intermitente. Pelo contrário, são ondas sucessivas, quase constantes. A sazonalidade na oferta de alguns importantes setores da economia, por si só, seria capaz de explicar uma tendência permanente de aumento da inflação. A indexação se encarrega de impor uma assimetria no impacto dessas variações no índice de preços. Como os preços nominais não caem, a única forma de reequilibrar os preços relativos é pela aceleração inflacionária.


Nos últimos meses, contudo, começaram a surgir novas pressões inflacionárias. Desta vez são endógenas. A economia está se aquecendo. O nível de emprego está elevado, a utilização da capacidade instalada é alta (exceto no setor de bens de capitais), e os salários reais médios alcançam valores equivalentes aos do tempo do Plano Cruzado. A economia se recupera da retração de 1987-88. Não se trata de uma expansão demasiadamente forte da demanda, mas sim de uma oferta cuja capacidade de resposta está tolhida pela retração dos investimentos verificada desde o início da década de 80.


Nessas circunstâncias, muitos começam a questionar a validade da política antiinflacionária do governo; outros clamam por um novo congelamento, que chamam de mudança no padrão monetário, desindexação, ou outra coisa qualquer. No entanto, esquecem que essas medidas não surtirão efeitos enquanto o governo não demonstrar disposição para implementar uma política de absoluto controle do setor público. É neste último ponto que se encontra a maior fraqueza da atual política econômica.


Apesar do déficit público de janeiro a julho estar dentro das metas previstas pelo governo de 4%, fica cada vez mais evidente que não existe um efetivo controle da situação. Não há coesão, nem autoridade, na atual administração, e os agentes econômicos percebem claramente que não houve qualquer mudança no regime fiscal e monetário no Brasil. As conquistas anunciadas não se revelam suficientemente permanentes para transmitir confiança de que a inflação será controlada. E assim as expectativas inflacionárias continuam exacerbadas, os investimentos não são realizados, os níveis de consumo não se elevam; gera-se uma crise de subconsumo e de subinvestimento.


O Brasil precisa de um choque; mas no enxugamento do setor público, na eliminação dos subsídios e incentivos fiscais, na proibição do Banco Central financiar o Tesouro.


Medidas de impacto capazes de reverter as expectativas inflacionárias atuais. Depois disso, o congelamento e a desindexação virão naturalmente, com perspectivas de sucesso.

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