top of page
  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A hora do ajuste

Quase todos os indicadores conjunturais mostram que o nível de atividade se recuperou após a forte retração verificada no ano passado. A produção industrial poderá chegar ao final do ano com taxas de expansão positivas, embora modestas. O comércio varejista deverá crescer até o final do ano, o que atesta a recuperação dos salários. De fato, os rendimentos reais médios acham-se hoje em patamares superiores aos verificados nos meses mais aquecidos de 1986, em plena euforia do Cruzado.


Além da retomada do mercado interno, também as exportações atingiram índices de crescimento acima das expectativas. Vale notar que não se trata de uma expansão induzida pela retração doméstica. Pelo contrário, feito o ajuste entre a absorção interna e externa, realizada basicamente durante o ano passado e que naquele período necessitou de uma contração do mercado doméstico, a economia mostra hoje condições de obter uma expansão equilibrada, onde tanto o componente interno quanto o externo, da demanda agregada, contribuem para o virtual pleno emprego na economia brasileira.


Cabe acrescentar ainda que a rentabilidade das empresas foi boa durante o primeiro semestre do ano, e que os níveis de endividamento estão baixos. A liquidez folgada das empresas é outro aspecto positivo nesta análise da economia pelo lado real, e pelo prisma do setor privado.


É certo que vários setores, dentre eles o de bens de capital, acham-se com grande capacidade ociosa. No agregado, contudo, a economia cresce, mas, por outro lado, ameaça bater rapidamente nos primeiros e mais limitantes constrangimentos em sua capacidade de expandir a produção.


Pelo lado monetário, e com a inclusão do setor público, a situação adquire contornos totalmente diversos. A inflação em cruzados ameaça fugir do controle das autoridades e a própria moeda indexada, a OTN, provavelmente acha-se contaminada. O controle do déficit público, apesar dos resultados positivos obtidos até agora, não tem se mostrado capaz de evitar o crescimento acelerado da dívida pública que, nos últimos meses, vem se expandindo a taxas reais substancialmente mais elevadas do que seria necessário mesmo para o total refinanciamento dos juros.


Feitas essas observações, é possível concluir que a alteração da inflação se deve principalmente ao reaquecimento da economia. A indexação, ao ser sancionada pelo governo, visando uma oferta estagnada, sustenta os patamares inflacionários, sobre os quais as pressões de demanda atuam de forma perversa.


No momento, o fundamental é atuar em três frentes. Garantir a solvência do setor público mediante o uso de medidas incisivas na liquidação de parte de seu patrimônio; redução dos gastos e eliminação de incentivos e subsídios com vistas ao equilíbrio orçamentário imediato; e a absoluta proibição das autoridades monetárias financiarem o Tesouro.


Alega-se que medidas convencionais, como as aqui propostas, provocariam recessão, e que isto precisaria ser evitado a qualquer custo. Há que lembrar, contudo, que o essencial não é a drástica redução da demanda agregada; basta a eliminação do excesso de demanda que o governo gera com seus déficits. A diminuição da procura por financiamento que resultaria de um déficit público zerado, ou quiçá de um superávit fiscal, automaticamente incentivaria a retomada dos investimentos privados. É certo que eles compõem a demanda agregada, mas por outro lado, geram um aumento da oferta. Essa é a grande diferença entre despesas públicas e privadas. Enquanto a primeira exige captação de financiamentos basicamente para custeio ou transferências - que se acabam transformando em consumo - a segunda, ao se transformar em investimento, gera produção.


A primeira tarefa num combate consistente à inflação é extirpar seus componentes aceleradores, para depois atuar numa inércia enfraquecida. Quem sabe, fazer as duas coisas juntas, mas jamais inverter a sequência, como muitos cogitam fazer.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor do Escola de Administração de Empresas de São Paulo do Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

Topo
bottom of page