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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Alternativas para combate à inflação

Passada a primeira semana desde a assinatura do Pacto Social, caberia tentar avaliar seus primeiros resultados. Certamente ainda não há condições para uma análise rigorosa, mas tudo indica que, a permanecer nesta ingênua tentativa de controlar preços, o Pacto não terá sucesso.


A gravidade da situação econômica brasileira exige providências imediatas, ao menos no que tange à neutralização de uma improvável, mas possível, crise hiperinflacionária imediata. A inflação não é um fenômeno isolado. Tem raízes estruturais profundas, de sorte a exigir uma estratégia de ação multifacetada. Nesse sentido, não há como dispensar a presença de um forte ajuste fiscal, de uma política monetária ativa e, em seguida, da aplicação da política de rendas. Ao inverter esta sequência o Pacto corre o risco de desacreditar esta última esperança de controle inflacionário, gerando condições cada vez mais propícias para a conjunção de fatores que poderá produzir a hiperinflação.


O combate ao déficit público é importante para: a) assegurar a solvência do setor público, evitando uma corrida contra a moeda indexada; b) evitar o surgimento de excesso de demanda; c) permitir ao Banco Central praticar uma política monetária. A conjuntura atual abre espaço para uma política fiscal mais apertada. A recente aceleração inflacionária atesta a presença, ainda que incipiente, de pressões de demanda oriundas principalmente de uma oferta potencial estagnada pela retração dos investimentos.


Nas atuais circunstâncias, a elevação das receitas tributárias seria altamente contraproducente. Um governo que gasta mal não pode acalentar esta possibilidade. Qualquer aumento de tributação, mormente indireta, será repassado a preços, exacerbando as pressões inflacionárias. Há espaço para a eliminação de subsídios e/ou incentivos, embora com cautela naqueles que impactassem os preços diretamente. Preços e tarifas públicas não comportariam elevações reais.


Restam, portanto, corte de gastos (custeio e investimentos) e alienação de patrimônio estatal. Quanto ao primeiro, é forçoso reconhecer que o governo já concretizou importantes avanços diante da perspectiva de fechar o ano com um déficit operacional de menos de 4% do PIB. Todo esforço deve ser empenhado para limitar ainda mais o déficit de 1989. Quanto à privatização, trata-se de medida com impacto de médio prazo, mas que deve ser iniciada com a formulação e o anúncio de planos radicais. Nota-se, portanto, que no ajuste fiscal já foram feitos importantes progressos. Resta consolidá-los. Acelerar e aprofundar os programas de privatização seriam os próximos passos, com prováveis efeitos benéficos nas expectativas inflacionárias.


A eliminação do descontrole orçamentário do governo é essencial para permitir a concretização de uma rigorosa política monetária. Isso torna-se tanto mais importante quanto mais provável for a colocação em prática da limitação dos juros reais em 12%. É o primeiro passo para permitir o controle dos agregados monetários relevantes.


Impactos adicionais no controle dos agregados monetários poderiam ser obtidos mediante maiores importações, que, ademais, contribuiriam para atenuar as pressões altistas de preços internos. A liberação de cruzados por conta da conversão da dívida poderia ser disciplinada em função dos cronogramas dos investimentos programados. Finalmente, considerando-se os elevados índices de rentabilidade e liquidez das empresas, poder-se-ia instituir, como medida provisória e emergencial, um tipo de depósito compulsório.


A discussão sobre a inflação no Brasil ficou excessivamente presa às vistas à desindexação, passou a ocupar lugar central nos programas de estabilização. De certa forma, a aceleração inflacionária dos últimos anos, ao forçar uma maior sincronização nos reajustes de preços, facilita a aplicação de medidas que visem extirpar a memória inflacionária. Isoladamente, contudo, medidas deste teor são incapazes de evitar a reinflação, ou a contaminação de novas moedas.


A economia caminha rapidamente para o uso da moeda indexada, a OTN. Juros e câmbio já estão plenamente indexados. Salários, embora sem a chancela oficial, caminham rapidamente nesta mesma direção. Restam apenas os aluguéis, cuja indexação ainda é semestral ou anual, as receitas tributárias do governo e parte das despesas públicas, inclusive salários do funcionalismo. Efetivamente falta pouco para que toda a economia esteja quase que perfeitamente indexada.


Seria conveniente que isto fosse concretizado rapidamente. A indexação dos salários deve ocorrer naturalmente, podendo, em certos casos, ser dada a opção de conversão pelas médias. Os aluguéis precisariam de determinações legais, da mesma forma que os salários do funcionalismo público. Quanto aos impostos, será necessário um ajuste nas alíquotas, para evitar que a indexação implique aumento de tributação.


Feita esta sincronização, e supondo-se que as medidas fiscais e monetárias já estivessem operando, restaria apenas a tarefa de coordenar a eliminação da inércia. Basta uma mudança no padrão monetário ou um congelamento temporário, se se desejar aplicar um choque. No caso de uma opção pelo gradualismo, poder-se-ia deixar a economia funcionar de forma indexada, como vem ocorrendo, na expectativa dos efeitos da política monetária e fiscal; outra opção é o uso de redutores, ou a pré-fixação do indexador.


Se, no entanto, a indexação ou a pré-fixação for realizada sem que as medidas de cunho fiscal e monetário tenham sido aplicadas com sucesso, sendo apenas anunciadas como metas, corre-se o risco de perda de todas as âncoras, o que poderá precipitar a hiperinflação. Uma avaliação realista da credibilidade do atual governo recomendaria cautela nesta direção.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), é diretor da Fundação Getulio Vargas (SP) e consultor econômico da Folha.

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