top of page
  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Populismo e salários reais

O veto do presidente Sarney à sistemática de correção do salário mínimo aprovada no Congresso Nacional é coerente com uma efetiva política antiinflacionária. Ao decretar um reajuste mais modesto, o presidente assume uma posição realista, sem, contudo, deixar de dar prosseguimento à gradual recuperação do Piso Nacional de Salários iniciada no ano passado.


No curto prazo, a renda é fixa, de forma que a elevação de uma parcela implica a redução da outra. Apenas a médio e longo prazos pode ocorrer um aumento da renda capaz de viabilizar a elevação das duas parcelas. Isso implica investimentos e aumento de produtividade, o que sabidamente não está acontecendo na atual conjuntura nacional.


A política salarial proposta pelo Congresso implica um aumento real no salário mínimo de 125% em 12 meses: um aumento real de cerca de 25% em janeiro, seguido de elevações mensais de 5% até o final do ano de 1989. O presidente Sarney decretou para janeiro um aumento real de cerca de 6%, deixando em aberto os ganhos reais futuros.


Não obstante as críticas que vem recebendo, o governo está correto ao limitar os ganhos salariais. Não há como compatibilizar uma efetiva política antiinflacionária com abruptas elevações reais nos rendimentos do trabalho. Apesar da distinção entre o Piso de Salários e o Salário Mínimo de Referência - este último foi reajustado em apenas 24,5% - o teto fixado no pacto social, um aumento exagerado do piso, irá impactar nos demais níveis da pirâmide salarial, repercutindo nas taxas de inflação e fazendo com que os aumentos concedidos se transformem apenas em ilusórios aumentos nominais.


Neste sentido, uma abrupta elevação dos salários implica uma redução equivalente nos lucros. Por serem abruptas e elevadas, os detentores de capital provavelmente tentarão recuperar suas perdas por meio de reajustes de preços. Isso poderia não ocorrer com a mesma intensidade caso os aumentos salariais fossem graduais.


Cabe indagar por que o poder de defesa dos capitalistas é maior do que o dos assalariados. Afinal, estes últimos sofreram inequívocas perdas ao longo dos últimos anos.


A resposta se encontra na estrutura econômica brasileira, caracterizada por um setor produtivo altamente concentrado e oligopolizado, ao passo que os assalariados são abundantes e atuam competitivamente.


A efetiva promoção da concorrência, uma legislação antitruste corajosa e o aumento do emprego são formas mais eficazes de aumentar salários reais. O resto é populismo barato, que produz desemprego e inflação.


Em última análise, a renda interna - o total dos rendimentos dos residentes no país - é a soma dos valores apropriados por dois grupos de agentes econômicos: os assalariados e os detentores de capital.



MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

Topo
bottom of page