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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Os rigores do inverno

A insegurança e a incerteza são hoje os fatores mais importantes na determinação dos rumos conjunturais da economia brasileira. As medidas do Plano Verão não surtiram efeitos. No entanto, o governo ainda mantém indefinidos vários pontos de política econômica que haviam sido severamente afetados pelo plano de estabilização. Com o intuito de adiar pelo período mais longo possível a plena reindexação da economia - numa ingênua tentativa de represar as pressões inflacionárias -, o governo demorou para permitir a indexação nos mercados financeiros; adiou equivocadamente as correções cambiais; insiste em manter em vigência um congelamento de preços e salários que concretamente apenas existe em algumas estatísticas oficiais; e ainda não apresentou qualquer orientação para formulação da política salarial. Portanto, não é de surpreender que tenhamos vivido nas últimas semanas uma fase de profunda exacerbação das incertezas, como exemplificado pelo comportamento explosivamente instável dos principais mercados especulativos.


Por outro lado, o governo cometeu erros que agravaram as incertezas. A queda nas taxas de juros foi excessivamente rápida, além de ocorrer numa fase perigosa do Plano Verão, ou seja, durante o descongelamento de preços. Hoje os juros reais são negativos, considerando-se a inflação corrente. A reindexação vem ocorrendo em prestações, embora devesse ser feita de forma rápida para evitar maior instabilidade.


A demora do governo em reindexar a economia deverá resultar em enormes dificuldades para estabilizar a inflação. Os impactos advindos da nova política salarial, das desvalorizações cambiais e das correções nos preços públicos deverão iniciar uma espiral inflacionária que dificilmente poderá ser neutralizada no futuro próximo. Assim, restará como alternativa para o governo Sarney fazer um novo congelamento dentro de três ou quatro meses, levando o país até as eleições, ou até a posse do novo governo. Mas, depois? Fica cada vez mais evidente que existem pouquíssimos graus de manobra nos quais não se conseguirá debelar a crise brasileira. As limitações constitucionais são fortes, e as dificuldades políticas deverão perdurar pelo menos até a renovação do Congresso.


Ainda não se sabe qual a posição dos presidenciáveis a respeito da questão que deverá ser a mais importante no debate econômico até as eleições: como fazer o ajuste fiscal. Como equacionar o dilema da dívida pública? Parafraseando o eufemismo de Fernando Dall'Acqua e João do Carmo Oliveira no artigo publicado ontem na Folha, será atuando nos fluxos ou nos estoques da dívida? A questão é extremamente delicada, e ao que parece os agentes econômicos já estão formando opinião a respeito do assunto.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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