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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

No olho do furacão

Não tem sido difícil concluir - como tem sido feito e publicado neste espaço desde a primeira quinzena de agosto - que a ameaça de uma crise hiperinflacionária ronda a economia brasileira, especialmente após o fim do Plano Verão. O que surpreende é constatar que os agentes econômicos tenham sido tão facilmente iludidos por circunstâncias favoráveis, porém absolutamente secundárias no tocante ao afastamento definitivo de uma ameaça hiperinflacionária.


Na passagem do "olho" de um furacão - quando entre dois períodos de tempestades violentas, a fugaz calmaria permite até que se enxergue estrelas no céu - pode-se ter a falsa impressão de que o pior tenha terminado. Da mesma forma, os agentes econômicos no Brasil se deixaram iludir, ignorando as terríveis circunstâncias que ainda dominam o quadro conjuntural do país.


As grandes valorizações dos ativos-refúgio, como dólar, ouro, imóveis, bens de consumo duráveis etc., mostram com toda clareza que a confiança na estabilidade desmoronou. Diferentemente do que se chegou a imaginar, os credores externos decidiram mostrar suas garras em sinal de descontentamento com a inadimplência no pagamento dos juros devidos em setembro. A economia se mostra excessivamente aquecida, o que deverá se acentuar com a onda de elevados reajustes salariais que se espalha em vários setores, parcialmente induzida por decisões da Justiça trabalhista, que aliás não deveria ter este assunto como sua área de competência. Tudo isso sem falar em pressões inflacionárias sazonais, nas correções das tarifas e preços públicos, no impacto de novos aumentos de impostos e apreensões que o ressurgimento das incertezas quanto ao resultado das próximas eleições estão fazendo renascer junto aos carregadores de títulos da dívida pública.


Em resumo, como as expectativas são voláteis e como não houve fato novo significativo que justifique qualquer mudança no quadro econômico, tudo volta a ser como antes. O risco da hiperinflação está mais presente do que nunca. Resta saber da viabilidade de se evitar o descontrole total, apesar das taxas ascendentes de inflação.


Não há como dizer sim ou não. Tudo dependerá de como os detentores de títulos públicos vão se comportar. Para evitar fugas dos títulos públicos - cuja implicação imediata é a hiperinflação - o governo está agravando de forma exponencial os problemas a serem enfrentados pela próxima administração: é forçado a oferecer juros reais fortemente positivos a seus financiadores, tornando mais insuportável o custo da crescente dívida pública. A estratégia, portanto, consiste em evitar a hiperinflação imediata, ao custo de aumentar riscos de uma hiperinflação no futuro próximo. Cabe indagar, agora, se esta estratégia faz sentido.


Certamente é a mais segura para o governo, que está com a batata quente e contaminada nas mãos. Mas, do ponto de vista do restante da sociedade, o acerto desta estratégia depende da aceitação de duas premissas.


A primeira é a de que o atual governo não tem condições de obter qualquer resultado efetivo no combate à inflação. Pode, quando muito, evitar que a crise ocorra de imediato. A segunda é a de que o próximo governo será capaz de estabilizar a economia. Portanto, a serem verdadeiras estas duas hipóteses, vale a pena correr o risco, empurrando o problema com a barriga, na expectativa de melhores resultados logo em seguida.


Embora a primeira premissa seja certamente verdadeira, a segunda torna-se mais duvidosa. Não se conhece, de nenhum dos candidatos à presidência da República com possibilidades de vitória, um plano de estabilização minimamente consistente. Isso fica cada dia mais evidente, e na medida em que se firme a conscientização de que nada garante que o novo governo será melhor do que este, abre-se a imediata possibilidade de uma desestabilização total, incontrolável, da economia brasileira.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo e consultor de economia da Folha.

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