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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Estabilização com duas moedas (1/2)

A Folha publicou ontem as respostas de três renomados economistas: Carlos Langoni, Eliana Cardoso e Plínio Sampaio Jr., sobre o que achavam de um novo congelamento (que, imagina-se, seria de preços e de salários). Ao ler os excelentes artigos, é fácil chegar a algumas conclusões.


  1. Um congelamento exitoso poderá reduzir os custos de uma política de estabilização. Assim, se funcionar adequadamente, a parada instantânea na elevação dos preços poderá evitar um desaquecimento excessivamente forte da atividade econômica, causada por medidas complementares que teriam de ser adotadas.

  2. O congelamento isoladamente não terá qualquer impacto duradouro no controle da inflação. O essencial é o ajuste fiscal, a estabilidade cambial, o controle monetário e o aperfeiçoamento dos mecanismos de financiamento do setor público.

  3. O congelamento perdeu credibilidade no Brasil. Após três tentativas frustradas, esse instrumento não poderá mais contar com o apoio da população e, portanto, dificilmente seria respeitado.


As duas primeiras observações são teóricas. Embora possam ser aceitas, e adotadas todas as medidas complementares necessárias para uma esperada estabilização, persiste a dúvida maior. O congelamento poderá não ter efetividade por força de seu desgaste junto à população. Sem a certeza de um impacto positivo, seria uma temeridade decretá-lo novamente.


No início de um congelamento, a inflação é sempre baixa. Assim, qualquer alta no índice de preços será imediatamente interpretada como o fracasso da estabilização, fazendo os agentes econômicos apostarem na retomada da espiral inflacionária. Paradoxalmente, apenas uma forte recessão seria capaz de defender o congelamento. Um instrumento que visava evitar o desaquecimento da economia passa a exigir uma recessão para ter efetividade.


Além disso, uma abrupta queda nas taxas inflacionárias iria exigir um imediato processo de repactuação de todos os contratos. Tabelas, conversão de salários pelas médias, renegociação de margens com fornecedores, alteração de prazos e condições de financiamento etc. etc. etc. Tais providências implicam uma enorme elevação nos custos de transação da economia. E sem garantias de que o congelamento funcione ou evite a recessão, como exposto acima.


Nessas condições, surge a alternativa de um plano de estabilização que adote todas as medidas clássicas de controle inflacionário, capazes de estancar o processo de elevação de preços na moeda contaminada (o cruzado novo); ao mesmo tempo, permitiria a passagem gradual para uma moeda forte.


A coexistência de duas moedas não é novidade para o brasileiro. Trata-se apenas de transformar a moeda indexada em meio de troca. Haveria inflação decrescente no cruzado, e inflação zero na nova moeda. A transição de uma para outra ocorreria de forma defasada no tempo, sem necessidade de recontratações forçadas. O mais significativo nesta proposta é que os contratos salariais não precisariam ser renegociados compulsoriamente, mas o recebimento na nova moeda faria parte das pautas de discussão entre patrões e empregados. Como é provável que a passagem para a moeda forte ocorresse gradualmente, os salários reais não seriam bruscamente elevados por força da queda da inflação, evitando uma perigosa bolha de consumo. Nem seriam convertidos por médias, uma medida que hoje é de patente irrealismo político.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e consultor econômico da Folha.


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