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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A responsabilidade dos presidentes

Não foram poucos os alertas acerca do perigo da instalação de um processo hiperinflacionário entre nós. Isto teria ocorrido há tempos, não fosse a ilusória sensação de que a indexação generalizada seria capaz de gerar mecanismos que tornariam a economia brasileira imune aos impactos do descontrole inflacionário. Vê-se agora que foi apenas um analgésico eficaz, mas que perniciosamente induziu os agentes econômicos a negligenciarem a busca de soluções definitivas.


Desde o início da década de 80, a inflação vem se acelerando. Inicialmente em patamares estáveis que perduravam por meses. No governo Sarney, contudo, o processo aceleracionista ganhou força, passando agora a subir em degraus de não mais do que semanas de duração. Mas, apesar das enormes distorções que o processo inflacionário está acarretando e apenas ocultadas pela forte indexação, a economia continua funcionando.


O interessante é que a indexação permitiu que continuássemos com o uso de um padrão monetário próprio, diferentemente do que ocorreu em vários outros países em seus estágios inflacionários mais avançados. Passamos do cruzado para a BTN, e agora para a LFT. Contudo, ainda não nos dolarizamos por completo.


No momento, o grande problema a ser enfrentado é evitar que os agentes econômicos recusem também a LFT. Trata-se da última guardiã contra a desintegração total da economia. Porém, é exatamente isso que está em risco, quando há indícios de um clima psicológico de pânico. A fuga das aplicações lastreadas em títulos públicos poderá detonar os mesmos fenômenos que caracterizaram os estágios finais de um processo hiperinflacionário. Trata-se do único ingrediente que ainda faltava para o descontrole total da situação.


Seria ingenuidade imaginar que tudo será diferente após 15 de março. As dificuldades serão explicitadas de forma ainda mais dramática após aquela data aparentemente mágica. Ela apenas marcará o início da hercúlea tarefa de erradicar a inflação do Brasil, como nos promete o novo presidente.


Os 30 dias restantes ainda poderão ser traumáticos, se nada for feito para evitar que o fenômeno psico-social do pânico se instale na economia brasileira. É uma questão de expectativas pessimistas, e fortemente exacerbadas pela inatividade da atual administração e pelo imponderável da próxima gestão.


Nesse sentido, cabe a ambas a responsabilidade pelo que ocorrer nas próximas semanas na economia brasileira.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas-SP e consultor de Economia da Folha.

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