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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A inflação não morreu, apenas desmaiou

A inflação está viva. O Plano Collor tirou-lhe o oxigênio e a deixou desmaiada. Ao retirar de circulação a maior parte dos meios de pagamento, a demanda evaporou-se. As transações cessaram, e, portanto, a alta de preços foi totalmente contida.


No entanto, ainda lhe restam sinais vitais. Os mecanismos de realimentação inflacionária não foram destruídos. Poderão, a qualquer momento, aplicar uma respiração boca-a-boca na prostrada inflação brasileira. Além disso, foram-lhe aplicados alguns choques de custos que poderão reativar-lhe as funções circulatórias.


A contenção da liquidez, segundo a própria equipe econômica do governo, teve como principal meta retirar do sistema o excesso de liquidez que se concentrava nos títulos públicos e que, nas últimas semanas, havia extravasado para as cadernetas de poupança. Portanto, se apenas o excesso de liquidez foi retirado do sistema, a oferta monetária deixada em circulação deveria ser suficiente para manter o nível de atividade econômica nos patamares anteriores à decretação do programa antiinflacionário.


O raciocínio estaria correto se os mecanismos de intermediação financeira continuassem funcionando após a decretação do Plano Collor. Porém, isso não ocorreu de imediato. A complexidade administrativa do programa paralisou o sistema financeiro por várias semanas, levando igualmente à paralisia do processo produtivo.


Além disso, o sequestro de liquidez fez o "efeito riqueza" engrenar marcha à ré. Os antigos detentores de ativos financeiros altamente líquidos acham-se agora mais pobres, o que lhes reduziu a propensão de consumo.


No momento, nota-se que fatores que poderiam reanimar a espiral inflacionária não foram eliminados do quadro econômico. Existem, portanto, ameaças de que os aumentos de preços possam não estar contidos em definitivo. Há necessidade de reformas estruturais profundas, capazes de extirpar em definitivo as causas primárias da evolução inflacionária no Brasil.


A abertura da economia, o desmantelamento dos cartórios, o remodelamento dos mercados financeiros, o controle do déficit público, o enxugamento do Estado, a redução do intervencionismo, a prioridade social nos gastos governamentais, a criação de garantias formais de austeridade monetária, uma implacável legislação antitruste, são alguns dos mais importantes temas para uma agenda de consolidação dos resultados já alcançados pelo Plano Collor.


No Brasil, a inflação não pode ser totalmente explicada pelos mecanismos clássicos de excesso de demanda agregada. Nos últimos anos, passou a incorporar uma forte e crescente tendência expectacional. A indexação, a persistência dos desequilíbrios financeiros do setor público e os impasses gerados pela expansão incontrolável do endividamento do governo são fatores que explicam a explosão de liquidez, que se reproduzia organicamente na economia brasileira.


A excessiva liquidez foi gerada fundamentalmente pela moeda indexada, alimentada endogenamente pelo financiamento do déficit público. O overnight - e seus desmembramentos - foi o meio de cultura no qual a inflação se reproduziu. Pois este ambiente de propagação inflacionária ainda não foi destruído.


É preciso uma ampla reforma financeira que crie novos instrumentos de financiamento do Estado e que evite o ressurgimento do overnight como quase-moeda. O retorno à filosofia fundamental das ORTN e das LTN seria capaz de separar novamente os fluxos financeiros de poupança dos excedentes de caixa. A permanecerem as atuais instituições, o retorno ao overnight, aliás incentivado pelo governo, fará crescer novamente, e de forma endógena, a oferta de moeda indexada e o nível de liquidez da economia. Que o governo não faça ouvidos de mercador aos alertas de vários economistas, que apontam para a importância da expansão monetária no controle inflacionário.


O Plano Collor impôs ao setor produtivo um forte choque de custos. Seu impacto inflacionário ainda não se fez sentir. No momento, a busca de liquidez está prevalecendo sobre a procura do lucro e da rentabilidade. Porém, com a recuperação do fluxo produtivo, essas pressões fatalmente surgirão nos preços. A economia brasileira não é capaz de conviver com uma recessão suficientemente forte e profunda para evitar que as pressões de custo sejam repassadas a preços.


O Plano Collor impôs aumentos de salários reais em março; impôs altos custos financeiros para os setores que necessitaram de financiamentos bancários para saldar suas folhas de salários; vários preços públicos, como combustíveis e energia elétrica, sofreram majorações; a retração na produção multiplicou os custos fixos unitários; o cruzeiro sofreu forte desvalorização nas últimas semanas, aumentando o custo dos produtos importados.


No campo tributário, os impactos foram enormes. A agricultura passa a pagar IR. O IPI foi aumentado. Prazos de recolhimento foram reduzidos. O fim da sonegação e da economia informal - embora plenamente justificável do ponto de vista moral e ético - implica um inequívoco aumento da taxa de extração tributária exigida do setor privado.


É preciso não esquecer que a estrutura tributária brasileira é deformada, ineficiente e custosa. Além disso, foi sendo calibrada para ser aplicada sobre "meia nota". Aplicada no valor integral da produção, a carga tributária brasileira aumentaria velozmente, fato que não ocorrerá simplesmente porque as empresas não terão como recolher.


Portanto, é preciso indagar se esses choques de custos não refluirão na inflação. É preciso indagar se o governo não deveria ser tão implacável nas reformas estruturais da economia como foi no sequestro de liquidez. Sem elas, os resultados já obtidos não se sustentarão. A inflação poderá recuperar os sentidos, após o desmaio que o Plano Collor lhe causou.

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