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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Passo em falso

A decisão da ministra da Economia de prefixar a inflação em zero pode ser um grande erro. Permanecem tabelados os preços dos "bens e serviços considerados básicos ao consumo e uso da população". Várias outras categorias de produtos, como farmacêuticos, bens públicos, automóveis, cigarros, vidro, cimento e alguns insumos e implementos agrícolas, permanecerão congelados ou sob estrito controle.


A decisão do governo encerra um forte apelo popular. Portanto, pode ter sido politicamente irresistível. Ademais, as autoridades podem estar atemorizadas com a rápida recuperação do nível de liquidez da economia. Assim, manter o tabelamento surge como um seguro contra o ressurgimento imediato de pressões inflacionárias.


Por outro lado, envereda pela trilha dos planos de estabilização que se enroscaram na traiçoeira armadilha do excessivo intervencionismo. É verdade que, comparativamente ao congelamento absoluto que prevaleceu até o final de abril, a portaria da ministra acena com o retorno aos mecanismos de mercado. Por outro lado, permanece sob rígido controle a cesta básica de mercadorias, além de setores como eletrodomésticos populares, nos quais se concentrou a "bolha de consumo" das primeiras semanas do Plano Collor.


Ao manter o congelamento de preços nos mais importantes itens de consumo da grande maioria da população, as autoridades econômicas acentuam as dificuldades da futura normalização dos mercados. De fato, está se perdendo uma boa oportunidade para liberalizar a economia. As políticas fiscal e monetária deveriam dar sustentação ao descongelamento. O forte desaquecimento econômico das últimas semanas deveria ser suficiente para que o governo desse início a um novo regime de preços, sem riscos de uma forte exacerbação inflacionária.


Ao ser atraído pela mística do congelamento, o governo pode estar cometendo um equívoco. As pressões de compra certamente se tornarão ainda mais acirradas. A tentação de antecipação de consumo se tornará cada vez mais presente no comportamento da população. As expectativas inflacionárias se exacerbarão. Os riscos serão ainda maiores, caso o presidente Collor reinaugure a indexação salarial, conforme declarou no início desta semana.


O governo não deveria estar preocupado em fixar preços, com as evidentes exceções dos setores altamente concentrados da economia. Sua prioridade deveria estar na administração da política fiscal e monetária, onde se concentram os maiores riscos de descontrole.


Só há uma chance de a decisão de manter o congelamento da cesta básica não implicar maiores pressões inflacionárias no futuro: aprofundar a recessão. O governo não resistiu ao canto da sereia. Esta fraqueza o obrigará a impor à população custos ainda mais altos para estabilizar a economia.

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