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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Olhando pelo avesso

É bobagem chutar cachorro morto. O Plano Collor 2 será apenas uma efêmera queda na escalada de preços que se tornou crônica no Brasil. Seus efeitos antiinflacionários vão perdurar apenas enquanto as reservas do Banco Central aguentarem as pressões contra o cruzeiro, ou enquanto não emergir com maior vigor uma onda de desobediência civil no que diz respeito ao congelamento. Portanto, é melhor mudar de assunto e aguardar os acontecimentos.


Mas nem tudo no governo Collor tem sido insucesso. Apesar de caminhar lentamente, e aos trancos e barrancos, a administração está fazendo importantes reformas estruturais na economia brasileira. Algumas ainda não se mostram visíveis; seus impactos positivos ainda não ocorreram, ou foram envoltos nas vicissitudes dos pacotes habituais. Outros, acabaram até por conflitar com as metas antiinflacionárias de curto prazo. Mas todas poderão ser úteis em futuras incursões contra a inflação. E ainda há muitas por fazer.


As taxas flutuantes de juros e de câmbio são importantes inovações institucionais. A abertura externa, por enquanto, só ressaltou em importações de supérfluos, com pequenos impactos na competitividade global da economia. Mas há que aguardar seus efeitos. Adiar até que se concretizem condições ideais para a introdução de reformas significará que não serão feitas.


Os mercados de aluguéis estão claramente caminhando no sentido de maior liberalização, também as negociações salariais tornaram-se mais livres. As reservas de mercado estão sendo desmanteladas e o processo de privatização das empresas estatais desta vez parece que vai sair do papel. Os projetos de investimentos em tecnologia e em aumento de produtividade, as tentativas de acabar com a perversa indexação atrelada aos índices de custo de vida, as iniciativas para canalizar recursos para investimentos de longo prazo, reinício da conversão da dívida nos leilões de privatização são das muitas modificações importantes que o presidente Collor está introduzindo com muita coragem na realidade brasileira.


É evidente que todo este programa de cunho liberalizante está sendo implementado de forma esquizofrênica. Sente-se uma essencial falta de sintonia entre o presidente e sua equipe. Afinal, o Plano Collor 2 acentuou o intervencionismo estatal. Mas o plano vai passar, e as reformas poderão ficar. E o preço a ser pago quando se tem um projeto liberal sendo implementado por uma equipe de formação diversa.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 44 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor de economia da Folha.

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