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  • Marcos Cintra

Autonomia do Banco Central

A independência do Banco Central é uma forma de impor disciplina fiscal 'os governantes. Não se trata de fórmula mágica, como corretamente apontado pelo ex-ministro Mailson Ferreira da Nóbrega em artigo publicado no jornal "O Estado de S. Paulo" no último dia 14. Por outro lado, favoreceria um ambiente institucional com melhores condições para a execução de uma política monetária austera, malgrado as afirmações do ex-ministro de que objetivamente pouco mudaria.

Os críticos da proposta insinuam que seus defensores estariam tacitamente aceitando a quebra do sistema financeiro, a inadimplência do setor público, a perda de crédito do governo e outras tolices.

Em primeiro lugar, isso tudo já pode estar ocorrendo com total subordinação do Banco Central ao ministro da Economia. Em segundo, não se propõe que o presidente do Banco Central seja um robô, programado para expandir a moeda exatamente na dimensão definida por uma linha de comando.

Pelo contrário. O que se espera é que o indicado para o cargo seja um técnico de reconhecida competência, sem subordinações a grupos de interesse, e capaz de definir uma política monetária coerente e responsável. Certamente estaria no rol de preocupações do presidente do Banco Central os mesmos cuidados acerca da credibilidade do setor financeiro e do prestígio do governo que marcam o comportamento dos melhores burocratas da administração direta. Não há por que esperar menos.

Quando, como na Argentina, se atrela a moeda interna a um lastro metálico ou a divisas fortes, não se pratica ato de pirotecnia, mas sim de limitar a capacidade dos governantes de aumentar a oferta de moeda indiscriminadamente. O efeito é semelhante ao gerado por regras disciplinadoras da criação de moeda — como fazem os monetaristas —, ou quando um ministro da Economia obriga seu subordinado na presidência do Banco Central a seguir trajetórias de baixa expansão monetária para evitar a inflação. Todos esses padrões de comportamento acabam obtendo a desejada estabilização, ainda que por meios institucionais completamente diferentes.

No caso da criação de lastro para a emissão monetária, as críticas chegam a ser absurdas. Alega-se perda de soberania, de "seignoriage", e do imposto inflacionário. Em realidade, em nome dessa pretensa soberania, se está defendendo o direito do governo espoliar os cidadãos, reduzindo o poder aquisitivo da moeda circulante.

O conceito de expectativas foi avidamente incorporado pela moderna macroeconomia. As expectativas inflacionárias precisam ser revertidas para que a estabilização se concretize. Na formulação de políticas de estabilização, as metas e instrumentos anti-inflacionários devem ser críveis, de forma a evitar que os agentes econômicos tenham atitudes e comportamentos capazes de neutralizar a ação do governo. Os agentes econômicos precisam acreditar em mu danças de regime monetário e fiscal. Nesse sentido, a independência do Banco Central não é uma garantia de que a política monetária será austera, mas aumenta a probabilidade de que isso venha a ocorrer.

Há economias onde a inflação é baixa e o Banco Central é subordinado ao Ministério da Economia. O Japão é o exemplo mais citado. Também existem exemplos onde a inflação convive com bancos centrais relativamente autônomos. Nesse sentido, o sucesso de uma estratégia anti-inflacionária não se acha logicamente dependente de uma autoridade monetária desvinculada do Ministério da Economia.

Não há razão lógica que impeça o ministro da Economia de impor ao presidente do Banco Central, seu subordinado, uma estrita limitação de expansão monetária. Metas rígidas poderiam ser impostas e cumpridas, reduzindo-se assim as pressões inflacionárias oriundas da política monetária.

Há, contudo, razões práticas, culturais e políticas que inviabilizam determinações como essas. Em economias como a do Brasil, se houvesse credibilidade e autoridade para cumpri-las, não haveria necessidade de outras providências para viabilizar a prática de uma política monetária de austeridade. Porém essas condições não estão presentes. As pressões são invencíveis, e as imposições políticas, incontornáveis. Só resta, portanto, a alternativa de isolar, na medida do possível, a autoridade monetária do governo, vinculando-a apenas a um poder superior, onde as pressões individuais são diluídas em instâncias decisórias colegiadas.

Não se trata, como vimos, de necessidade lógica. Nem de competência técnica. Nem mesmo de sofisticação econômica. Trata-se apenas de uma medida que se impõe pela fragilidade dos atuais mecanismos de decisão. Mesmo assim, o sucesso da política anti-inflacionária ainda dependerá da consistência da política adotada. De nada adiantará a independência da autoridade monetária se ela decidir autonomamente embarcar em uma trajetória monetária inflacionista.

A discussão acerca da independência do Banco Central é semelhante à discussão sobre o parlamentarismo. Em tese não são condições suficientes, nem mesmo necessárias, para a obtenção de estabilidade econômica e política. Porém, formam um arcabouço institucional onde, com maior facilidade, se poderá obter o controle, a responsabilidade, e a competência que o país precisa. As probabilidades de bons resultados aumentam, embora nada garanta que serão obtidos.

O fundamental, contudo, é fugir da posição abraçada por muitos sobre a necessidade de se fazer previamente reformas preparatórias para a introdução de uma autoridade monetária independente. A esperar que surjam condições ideais, é o mesmo que postergar a reforma indefinidamente. E falta de coragem, pura e simples. Há que evitar um círculo vicioso que apenas leva ao imobilismo.

Finalmente, é fundamental atentar para o alerta de Carlos Leal Ferreira, nesta Folha em 7 de maio último, quando apontou o perigo de que a independência do Banco Central acabe se transformando em sua privatização. Evidentemente, a reforma só terá resultados desejáveis na medida em que o principal dirigente do órgão tenha uma clara noção de suas funções. Ao mesmo tempo, será sempre responsável perante a sociedade, por meio do Congresso, e não por laços pessoais de ligação com o ministro da Economia e com o presidente da República.

Há que se diluir esse poder.




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