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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Os sete pecados do Imposto Único

Em artigo publicado na Folha no dia 22 de abril, Fábio Giambiagi discute a proposta do Imposto Único sobre Transações - IUT. O autor afirma preferir a implementação inicial do IUT em pequena escala e apresenta para discussão sete problemas que o fazem adotar aquela atitude de cautela.


Inicialmente, o autor questiona a eliminação de impostos de pouca sonegação, como sugere ser o caso do IR na fonte, do IRPJ das grandes empresas e do TN sobre produtos de consumo em massa, de elevado valor unitário e/ou produzidos por poucas empresas. Eliminar tais impostos seria derrubar toda a casa só porque há infiltração (sonegação) em uma das salas, diz.


Esta questão tem como fundamento o princípio da produtividade dos impostos. Se são produtivos, devem ser mantidos, sugere o autor. Ora, o IUT é mais produtivo do que os impostos que Giambiagi questiona extinguir, pois elimina de vez a evasão e a corrupção tributárias. Os impostos citados por ele são imunes à evasão, ainda que tenham problemas menos severos.


Portanto, sob o aspecto da produtividade, o IUT é mais eficiente. Não há "trade-offs". Trata-se de uma solução nitidamente Pareto-superior, neste aspecto, portanto, justifica-se sua implementação como imposto único.


A segunda crítica se refere à equidade. Giambiagi defende a progressividade na arrecadação, além de nos gastos.


O sistema atual, mormente o IR, é progressivo apenas no papel. Em economias complexas como a brasileira, não há estrutura administrativa que garanta a aderência entre intenções e a realidade. Na prática, o IRPF é regressivo.


Giambiagi defende a progressividade tributária, mas, curiosamente, preconiza a manutenção do IRPF, mesmo admitindo que boa parte dos contribuintes o sonegam flagrantemente. Ele nomeia isso como tratamento desigual para os desiguais - uma forma superior de justiça econômica - e aceita tratamento desigual para os iguais - uma ultrajante iniquidade.


O IUT permite cortar a progressividade como imposto direto mediante a concessão de limite de isenção tributária; como imposto indireto, possui uma progressividade natural. É imune às manipulações de eventuais sonegadores.


Na terceira observação, Giambiagi apoia as prováveis alterações nos preços relativos que o IUT acarretaria. A cumulatividade do imposto impactaria de forma diferenciada o preço dos produtos, dependendo da extensão de suas respectivas cadeias de produção.


Certamente os preços relativos serão alterados com o IUT, mas para melhor, no sentido de refletirem seus respectivos custos de oportunidade. A carga tributária dependerá da extensão da cadeia de produção de cada setor, e também do coeficiente de agregação de valor em cada uma destas etapas. Por exemplo, dois produtos com uma mesma cadeia de produção mas que diferem no montante de valor agregado na última etapa da cadeia - por exemplo, no varejo - terão onerações tributárias diferentes. Embora a teoria do "second best" tenha colocado uma pá de cal sobre as pretensões de se conhecer detalhadamente as implicações alocativas das distorções tributárias, não há porque esperar que as alterações sejam necessariamente para pior. Estimativas setoriais mostram que a cunha fiscal será reduzida substancialmente, e portanto, com o IUT a estrutura de preços relativos será menos distorcida do que a atual. Os preços se aproximarão dos custos marginais, e os preços relativos se aproximarão das taxas marginais de transformação.


Giambiagi demonstra preocupação com a desoneração tributária das exportações. Com o IUT, e o auxílio de uma boa matriz de relações interindustriais, o governo poderá criar políticas de abate fiscal para os exportadores e desonerar as exportações. Haveria aumento de competitividade, pois hoje o Brasil exporta impostos. Apenas o ICMS e o IPI são isentados. Exporta-se PIS, Cofins, IPTU, IRD, ISS e muitos outros encargos perdidos no emaranhado tributário nacional. Não se trata de subsídio, mas apenas de devolução de impostos pagos, como já ocorre em vários países, e como os turistas já aprenderam ao receber seus "débitos" pelo correio.


O tópico seguinte de discussão se prende aos custos bancários e ao "pavor" que a menção ao IUT gera em alguns banqueiros. É evidente que os bancos serão remunerados pelos serviços de arrecadação tributária que efetuarão. Mas o busílis da questão não se prende a isso - é um tema que meia hora de negociação seria capaz de resolver. Afinal, o IUT implicaria custos praticamente nulos de arrecadação e de distribuição.


Hoje, cada um dos dezenas de tributos implica uma guia de recolhimento, a conferência pelo caixa do banco, custos de espera (filas), digitação dos documentos no CPD dos bancos, processamento, microfilmagem, discriminação dos recebimentos por tipo de imposto, por tipo de destinação e por prazo de recolhimento ao governo. Enfim, um custo elevado comparativamente ao que seria o IUT: apenas um lançamento eletrônico - sem emissão de papel e sem burocracia.


Feitas estas observações, permanece um mistério as razões pelas quais, do ponto de vista do custo operacional, os bancos não deveriam se prontificar a pagar o governo para implantar o IUT, em vez de cobrarem. Quem sabe, o cerne do problema se prende ao "float" bancário. Porém, acredito que, feitas as contas, e explicitando-se de forma transparente os custos e as vantagens que o IUT proporcionaria ao setor bancário, seria fácil chegar a um acordo que levaria em conta o legítimo interesse comercial dos bancos e os da sociedade.


Neste sentido, chamaria a atenção para um esclarecedor artigo do presidente da Febraban, Alcides Tápias, publicado na Folha em 8 de abril, onde diz que o governo "se apropria atualmente de 57.65% da taxa de juros real paga pelo tomador de empréstimos..." e que "as despesas tributárias dos bancos comerciais em 1991 corresponderam a 149,4% do lucro líquido, ou seja, os bancos serviram mais ao governo como fonte de arrecadação do que a seus acionistas...". O IUT corrigiria esta evidente distorção.


Em seguida, Giambiagi aponta sua última objeção ao IUT - o temor de que, pressionado por políticos demagógicos e/ou mal-intencionados, o governo aumente as alíquotas do IUT.


Esta crítica não deveria ser direcionada ao IUT, mas sim às instituições políticas brasileiras. Afinal, como o autor mesmo explicitou, estamos hoje sujeitos a este tipo de comportamento de nossos governantes. Vide o PIS social, que começou com 0,5% e hoje é de 2%; ou o ICMS que começou com 12% e hoje é de 17% a 18% em São Paulo. Há muitos outros exemplos.


Ao contrário da tese de Giambiagi, a unicidade tributária iria impedir que esse comportamento fisiologista do governo voltasse a ocorrer. Hoje, a parafernália de impostos permite ao contribuinte que deseja se defender. A cada momento é uma nova legislação que muda, uma nova obrigação criada.


Com o IUT, a questão fica mais transparente, menos opaca e mais direta. Qualquer sugestão de elevação da alíquota do IUT seria manchete de todos os jornais, pois há uma relação direta entre alíquotas e custos tributários. O contribuinte estaria mais atento e o político encontraria sérios constrangimentos ao propor qualquer elevação de alíquota que não fosse plenamente justificada e discutida.


O IUT, contrariamente ao que diz Giambiagi, é o caminho para a responsabilidade tributária e para o definitivo sepultamento da demagogia e dos abusos que regularmente fazem dos desprevenidos contribuintes brasileiros vítimas irrecorríveis da irresponsabilidade de governantes.


Finalmente, Giambiagi menciona uma série de argumentos que, a seu ver, indicariam que a base de tributação do IUT - as transações bancárias - poderia ser comprometida por câmaras de compensação privadas e pela transformação de cheques em quase-moeda.


O que carece neste tipo de argumentação é o fato dos custos das transações tidas como substitutivas à transação bancária serem mais elevados do que a economia tributária obtida.


Por exemplo, as câmaras de compensação privadas seriam, na realidade, pequenos bancos privativos com custos operacionais que não podem ser negligenciados. A aceitação de cheques de terceiros implica riscos cujos custos o comércio e o setor bancário bem conhecem. Pergunto se o custo de uma apólice de seguro contra cheques sem fundo seria inferior à alíquota do IUT.


Além disso, o processo produtivo moderno é essencialmente unidirecional. Nas transações entre empresas e entre setores não existem pagamentos recíprocos. O professor vende seus serviços à universidade e quase nada compra dela; o operário de uma siderúrgica não consome aço, nem um sapateiro come os chinelos que fabrica. Nesse sentido, as câmaras de compensação, para terem um mínimo de efetividade, teriam de ser abertas ou então englobarem grande parte de setores. Ademais, cabe lembrar que o IUT é desburocratizado, mas não prescinde de um arcabouço legal mínimo. Algumas regras teriam de ser seguidas.


Por exemplo, a compensação de valores é atividade privativa do sistema bancário, o que tornaria ilegais as câmaras de compensação privadas. Cheques ou endossos ao portador são proibidos, sujeitando o infrator a pesadas multas que reverteriam automaticamente a favor de quem apresentasse os documentos irregulares a qualquer guichê de banco. E a tributação sobre os cheques levaria em conta o número de endossos que constassem em seus versos.


Com pequenas e simples regras como essas, os argumentos tidos como insuperáveis pelos críticos do IUT poderiam ser imediatamente removidos. Basta uma regulamentação competente e um pouco de boa vontade para encontrar as soluções administrativas.


Para finalizar, Giambiagi menciona as observações de Vito Tanzi. Economias como a nossa, segundo ele, já estão cheias de problemas e cansadas de frustrações. Nada de "ideias revolucionárias". Cabe dizer que muitas das economias sólidas e estáveis assim o são por terem sido revolucionárias no passado. O Brasil encontra-se hoje em uma encruzilhada. O presidente da República chegou a afirmar que "o Estado faliu" e que a atual estrutura tributária estaria causando "quase uma desobediência civil".


Que o IUT seja adotado, ou rejeitado, apenas em função de análises técnicas, surpreendido pelo ineditismo da solução. No atual cenário, nada seria mais arriscado do que a timidez, este sim, um pecado mortal se se buscam soluções para o país.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 46, doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA) e professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, consultor de economia da Folha e presidente do conselho da Febraban.


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